E chega o dia em que falaremos de
literatura feita de janotas, moçoilas casadoiras e cafajestes que não valem um
tostão furado. Claro, não estou falando dos livros da coleção Sabrina, mas sim
de Jane Austen!
E claro, teremos spoilers!
Mas antes, vamos falar de novela
das seis! (por favor, não vão embora ainda)
Orgulho e
Paixão estreou em Março na Globo e prometia nas chamadas ser uma novela
"empoderada", trazendo as principais personagens dos livros de Austen
como mulheres independentes e protagonistas de suas próprias histórias. É,
pero no mucho, visto que, assim como as protagonistas de Jane Austen, o
foco verdadeiro delas são os relacionamentos. E, veja bem, não tem nada de
errado nisso; claro, as chamadas da novela foram parcialmente enganadoras sim,
mas pra quem conhecia a ideia de fazer um grande "crossover" de
romances, não foi surpresa nenhuma.
Quem é Marvel Universe perto
disso?!
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Por ser apenas baseada nas
histórias dos livros, a novela junta e combina personagens que, de outra forma,
nunca se encontrariam, o que eu considero um ponto interessante pra quem já leu
as obras. Eu, como a leitora preguiçosa que sou, só havia lido Razão e Sensibilidade,
da qual trataremos mais a fundo. Antes disso, no entanto, acho importante um
pouco de contexto histórico sobre a obra e a autora:
O revolucionário fim do século
XVIII, como foi chamado, representou importantes transformações sociais em toda
a Europa. A Revolução Francesa (1789-1799) e a Revolução Industrial (1760-1840)
trouxeram uma forte instabilidade econômica e social. De repente, o poder
estabelecido já não era mais inabalável, pelo contrário, e ondas
revolucionárias nos diversos setores ameaçavam um sistema de crenças nunca
antes tão veementemente questionadas. O liberalismo econômico confere novo
poder e papel social à burguesia frente a uma nobreza acomodada, cidades
tornam-se superpovoadas e uma infinidade de bens de consumo passa a fazer parte
do dia a dia de quem pode pagar por eles. A segmentação de classes porém,
continuava visível, e as mulheres ainda sofriam (e sofreriam por muito tempo)
com uma gritante falta de independência, principalmente econômica. Isso porque,
pela lei, mulheres nunca eram as herdeiras diretas nas famílias. Toda a
fortuna, terras e propriedades geralmente iam sempre para o homem que fosse o
próximo na linha de sucessão, sobrando às mulheres se contentarem com pequenas
quantias que por ventura lhe fossem deixadas. É nesse contexto de
transformações sociais e opressão que nasce Jane Motherfucker Austen.
Nascida em 16 de dezembro de
1775, no interior da Inglaterra, ela era filha de um pastor anglicano vindo de
uma respeitável e rica família de comerciantes de lã. Porém, com o passar das
gerações e com todos os parentes homens da família recebendo suas heranças, Jane
e sua irmã mais velha Cassandra acabaram relegadas à perspectiva de pobreza ou
um casamento fortuito. Apesar de ter tido ao menos dois relacionamentos ao
longo da vida de Jane, nem ela e nem a irmã se casaram, dependendo da ajuda dos
irmãos e da renda ganha com seus livros. Na época, como mulheres também não
possuíam poder jurídico para assinar contratos, seu irmão assumia essa função,
e as obras eram publicadas em nome de "uma dama" apenas. Uma carreira
literária era algo tão fora das possibilidades que a sociedade reservava a uma
mulher "respeitável" que Jane Austen nunca teve nenhum livro
publicado com seu nome em vida, o que me parece a coisa mais triste sobre essa
história toda.
Aquarela de Jane, feita por
Cassandra Austen
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"O
inferno é uma cidade semelhante a Londres, uma cidade esfumaçada e populosa.
Existe aí todo tipo de pessoas arruinadas e pouca diversão, ou melhor, nenhuma,
e muito pouca justiça e menos ainda compaixão." (Mary Shelley).
Mesmo tendo um padrão de vida
minimamente decente com o dinheiro que ganhou, ela e a família ainda
enfrentaram problemas financeiros que obrigaram-nos a se mudar várias vezes.
Mesmo assim, Jane escreveu seis novelas, mais alguns trabalhos menores, e
continuou escrevendo até que suas condições de saúde pioraram sobremaneira. Ela
faleceu em Winchester, aos 41 anos, ainda jovem para a época.
Mas, falando sobre o livro, Razão
e Sensibilidade foi o primeiro livro de Austen a ser publicado em 1811 e abriu
caminho para o lançamento dois anos depois de Orgulho e Preconceito, que foi o
romance mais famoso da autora. Quanto ao enredo, o livro conta a história de
duas irmãs...
não essas...
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nem essas...
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Essas!
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Elinor e Marianne são as filhas
mais velhas da sra. Dashwood, uma viúva que empobreceu com a morte do marido,
cuja fortuna em sua maior parte acabou indo para o filho do primeiro casamento,
o que, visto pelo cenário em que a autora viveu, era uma realidade comum.
Como é de se esperar, as garotas
encarnam cada uma um dos atributos do título, sendo Elinor a irmã mais sensata
e guiada pela razão, enquanto Marianne é mais passional e guiada pelo
coração...zzzzzz....
"Elinor, a filha mais velha
cujo conselho fora tão acertado, tinha o poder de compreensão e uma firmeza de
julgamento que a haviam tornado, apesar de ter apenas dezenove anos,
conselheira da mãe e a qualificavam para contrabalançar, em proveito de todas,
a impulsividade da Sra. Dashwood [...] Era afetuosa e de sentimentos fortes,
mas sabia como controlá-los. [...]
As habilidades de Marianne eram,
em alguns aspectos, quase iguais às de Elinor. Era sensível e inteligente, mas
descontrolada: suas tristezas e suas alegrias eram intensas e sem a menor
moderação; generosa, amável e atenciosa, ela era tudo, menos prudente. A semelhança
entre Marianne e a mãe era impressionante."
Elas também têm uma irmã mais
nova, Margareth, mas ela não é muito importante para a história.
E engana-se quem pensar que é
apenas de relacionamentos que as mulheres de Jane Austen se ocupam: finanças,
vida em sociedade, crítica dos costumes, comprometimento com a própria
identidade, está tudo ali, permeado pela fina ironia da autora, como ao
descrever o meio-irmão delas e sua esposa:
"Ele não era uma pessoa
ruim, a não ser que se considere ruim um homem de coração um tanto duro, de
natureza um tanto egoísta. [...] Caso houvesse se casado com uma mulher
agradável, com certeza teria se tornado ainda mais respeitável do que era ---
poderia até mesmo ter se transformado também em um homem agradável, já que se
casara muito jovem e muito apaixonado pela esposa. No entanto, a Sra. John
Dashwood era uma acentuada caricatura do marido, com uma mentalidade ainda mais
mesquinha e egoísta."
Ou quando o meio-irmão e sua
esposa discutem a respeito da quantia que pretendiam repartir da herança do pai
com as meias-irmãs e sua madrasta:
"A sra. John Dashwood não
aprovou de modo algum, o que o marido pretendia fazer pelas irmãs. Tirar três
mil libras da herança do seu pequeno e querido filho seria empobrecê-lo da
maneira mais cruel e terrível. Implorou que ele pensasse bem no que iria fazer.
Como poderia roubar tão alta soma de seu filho, seu único filho? [...] Era de
conhecimento geral que nem sequer deveria haver afeição entre os filhos de um
homem nascidos em diferentes casamentos; então, por que ele teria de se
arruinar e arruinar o pobrezinho do Harry jogando fora todo aquele dinheiro por
causa de três meias-irmãs?"
É, eles são detestáveis. Que
ardam no inferno e engasguem com seus chás, janotas egoístas!
Desse modo, a mãe e suas três
filhas acabam por se mudar para um chalé em Barton Park, no interior, ficando
restringidas a uma vida menos luxuosa, mas sem se deixarem incomodar tanto por
isso. Elinor, cujos sentimentos convergiam para Edward Ferrars, fica triste com
a mudança, mas o convida para ir visitá-las. Por ele ser irmão da cunhada
megera delas e depender da aprovação da mãe para receber sua herança, o
relacionamento deles se encontra num impasse, mas ele continua a visitá-las
durante um tempo. Quanto ao pretendente da irmã, Marianne o gonga sem
piedade:
"Edward é muito amável e eu
penso nele com ternura. No entanto... ele não é o tipo do jovem... há algo que
lhe falta... Sua aparência não é impressionante; ele não tem aquele encanto que
eu esperava no homem destinado a ligar-se seriamente a minha irmã. Falta em
seus olhos todo aquele espírito, aquele fogo que ao mesmo tempo revela virtude e
inteligência. [...] Eu não poderia ser feliz com um homem cujo gosto não
coincidisse com o meu em todos os pontos; ele precisará compartilhar os meus
sentimentos; os mesmos livros e as mesmas músicas deverão encantar a nós
dois."
Elinor, apesar de admirar Edward,
se contenta em vê-lo sem forçar um romance, já que duvida da aprovação da
família interesseira dele, e Edward por sua vez não tem independência nem
estabilidade para agir por conta própria. Assim, resta às duas aproveitarem as
festas organizadas pelos novos vizinhos de Barton Park, dentre eles, a Sra.
Jenninngs, cuja descrição lembra muito os shippadores de novela:
"A Sra. Jennings era uma
viúva com grandes posses. Possuía apenas duas filhas e vivera para ver ambas
respeitavelmente casadas; agora, nada mais tinha a fazer a não ser casar todo o
resto do mundo."
Numa dessas ocasiões, Marianne é
convidada a tocar no piano, e chama a atenção do coronel Brandon, que na
adaptação da novela se tornou o coronel Brandão, vivido por Malvino Salvador, o
que eu achei bem condizente com a descrição dele:
"Era silencioso e sério,
porém não tinha aparência desagradável apesar de, na opinião de Marianne e de
Margaret, ser um completo velho solteirão, uma vez que já havia passado para o
"lado errado", com seus trinta e cinco anos. Seu rosto não era
bonito, mas sua natureza era claramente sensível e seus modos, muito
cavalheirescos. [...] O prazer que ele demonstrava ao ouvir música, ainda que
não fosse aquele êxtase encantado que pertencia apenas a ela, tornava-se
precioso em contraste com a horrível insensibilidade dos outros
[...]"
Pobre coronel Brandão...
|
Inevitavelmente, o coronel se
apaixona por Marianne, que, pela grande diferença de idade, não corresponde, na
verdade, nem sonha com isso:
"―Não o escutou se queixando
de reumatismo? Não é esta a doença mais comum do fim da vida?
[...] Ele pode viver vinte anos
mais. Porém, trinta e cinco não é idade para se casar."
...
representado acima, um velho
reumático e gagá
|
...
....
Vocês ouviram, seus velhos! Vão
embora daqui! Vocês não servem pra casá!
Não, você fica; ela disse homens, não apresentadoras
de tv amadas por todo o país.
...
Enfim, tudo permanece
relativamente calmo até o dia em que, ao darem um passeio pela paisagem
montanhosa da região, Marianne tropeça, machucando o tornozelo. Eis que, surge
então um cavalheiro de passagem por ali e sem demora ele a toma nos braços,
carregando-a até o chalé delas.
Lá chegando, ele é recebido com
muitos agradecimentos pela mãe delas, e apesar de não ter praticamente nenhum
conhecido a respeito dele, Marianne sente uma atração imediata por ele,
despertada após o comentário de um conhecido delas:
"―Para mim, ele é o melhor
companheiro que já existiu ― repetiu sir John. ―Lembro me de que no Natal
passado, em ocasião de um pequeno baile no parque, ele dançou das oito horas da
noite até as quatro da manhã, sem sentar-se nem uma vez sequer."
Totalmente encantada por essa
descrição de alguém com o rabo cheio de redbull, Marianne passa a dirigir todas
as suas atenções ao tal cavalheiro, que se apresenta como Willoughby e passa a
visitá-las com certa frequência, correspondendo às atenções da dama. Conforme
as semanas passam, a coisa degringola para o puro obsession:
"Logo descobriram que o
gosto pela dança e pela música era mútuo, o que fez com que nascesse uma
conformidade geral de julgamento em tudo que se relacionasse a essas diversões.
Encorajada por isso a examinar mais profundamente as opiniões do Sr.
Willoughby, Marianne perguntou-lhe sobre livros; [...] Os gostos eram de tal maneira
parecidos que chegava a ser chocante. Os mesmos livros, os mesmos trechos eram
idolatrados por ambos ---ou se aparecesse alguma diferença, se surgisse alguma
objeção, estas não resistiam por muito tempo diante da força dos argumentos de
Marianne e do brilho de seus olhos. Ele concordou com todas as afirmações dela,
partilhou de todos os seus entusiasmos e, muito antes de a visita terminar,
conversavam com a familiaridade de velhos conhecidos."
Onde foi que eu já vi isso antes?
Ah, sim...
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Eu sei, eu sei
que num artigo passado eu cheguei a argumentar que
Crepúsculo foi (e ainda é) mais criticado por ser um livro voltado para garotas
adolescentes e pré-adolescentes do que por sua "falta" de méritos
literários. Mas, não dá pra negar que os olhares vazios entre Bella e Edward
são a representação mais recente que temos na mídia do fenômeno chamado
"paixonite aguda", que costuma acometer todos aqueles que um dia
podem dizer que já estiveram apaixonados, e não estou falando necessariamente
de amor.
E aí está a diferença: paixão e
amor não são a mesma coisa. Na verdade, paixão já foi definida pelos medievais
como uma doença da mente e da alma, uma espécie de obsessão que invade e
aprisiona as pessoas; não se é feliz ao lado da pessoa, pois o sentimento é
intenso demais, mas também não se consegue se distanciar da pessoa, correndo o
risco da vida perder o encanto. As paixões são uma ameaça tão intensa que não à
toa as pessoas tendem a se apaixonar justamente por quem não podem ter, alguém
distante geograficamente ou pessoas casadas. Isso fornece uma barreira natural
que impede que os amantes se "fundam" numa simbiose que só pode levar
a um aniquilamento da individualidade de ambos... Pelo menos, foi o que eu
ouvi falar.
Já o amor, ao contrário, surge do
que sobra da paixão ou atração inicial. É algo construído no dia a dia, um
afeto que acrescenta à vida dos amantes sem que se torne um tormento para
todos em volta.
O amor é quando as pessoas se
importam com as outras o bastante até mesmo para liberá-las.
Por conta disso, é fácil perceber que todas as
paixões na verdade são uma bosta; É.
Romeu e Julieta? Bosta.
Tristão e Isolda? Bosta.
Christian Grey e Anastasia Steel? Dupla bosta.
Jack e Rose? Bom...
"Desculpa, Jack, minha
perna está com cãibra. Aguente só mais um pouco..."
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É, também
foi uma bosta, principalmente pra ele. Se Rose tivesse ficado no bote
com a mãe, Jack poderia ter se salvado naquela tábua e os dois estariam
vivos em Nova York, mas nããooo! Ela tinha que ficar do lado dele...
O caso é que a maioria das
histórias de amor que as pessoas admiram, na verdade não são histórias de amor
realmente, mas de paixão; duas pessoas se amam, ou melhor, pensam que se amam,
e por se amarem tanto, não podem viver uma longe da outra, e por isso alimentam
uma obsessão que termina em tragédia, com a morte de um ou de ambos. Esse é o
mito dos amantes desencontrados, que seria minha tradução livre do termo
"star-crossed lovers", que foi usado na primeira vez exatamente
naquela que seria a história de amor fadado ao insucesso mais famosa que já
existiu.
A paixão cega Marianne de tal
modo que logo ela e Willoughby começam a se corresponder, além dela aceitar
passear com ele e visitar a casa em que ele estava morando, sem que conhecesse
a dona, uma parente dele. Tal comportamento faz com que Elinor tema as
consequências para sua irmã.
"Podia compreender com a
maior facilidade que casamento não estaria nos planos imediatos deles, pois,
apesar de saber que Willoughby era independente, não havia motivo para
acreditar que fosse rico. Sir John calculara o valor da sua renda em cerca de
seiscentas ou setecentas libras por ano, porém o jovem cavalheiro levava um
estilo de vida que essa quantia não poderia sustentar e era comum que se
queixasse de sua situação.
No entanto Elinor não conseguia
compreender a estranha espécie de segredo que os dois mantinham a respeito de
seu possível noivado, que parecia iminente para todos. Tratava-se de um
comportamento tão contraditório ao modo como elas costumavam agir e às suas
opiniões em geral, que deixava Elinor insegura e a impedia de fazer qualquer
pergunta a Marianne. [...] As atitudes de Willoughby pareciam-lhe uma prova
indiscutível de apego. Ele tinha para com Marianne todas as ternas atitudes que
um coração amoroso dedica ao objeto de seu amor e demonstrava para com o
restante da família as atenções afetuosas de filho e irmão."
E eu pensando que as
semelhanças paravam aí...
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Quando se dá conta, todos os seus
conhecidos estão crentes de que os dois estão comprometidos, o que Elinor acaba
por negar veementemente, apesar das dúvidas. Acontece que Elinor não tem
coragem de perguntar sobre a existência ou não desse compromisso à irmã,
temendo ofendê-la. A situação torna-se insustentável quando, na ocasião de um
baile, as duas se deparam com o tal pretendente, e ele simplesmente dá uma de
desentendido e finge não ter nada com Marianne. Diante disto, a moça se
desespera. Continua a lhe enviar cartas que não são respondidas, até que o
sujeito lhe escreve de volta, se desculpando pelo incômodo e dizendo estar
comprometido com outra.
Amparada pela irmã, ela se isola em
casa, deprimida e sem ânimo para comer ou se divertir.
Depois, numa conversa com o
coronel Brandon, Elinor descobre coisas bem piores sobre Willoughby, como o
fato dele ter seduzido e abandonado uma jovem a quem Brandon amava, deixando-a
grávida e sem condições de viver na sociedade julgamentosa e hipócrita da época.
Quando Brandon a encontrou, ele diz, ela era apenas a sombra do que costumava
ser, de modo que apenas pode ajudá-la um pouco, pois ela logo definhou e
morreu.
"Quando me censurou pela
incivilidade de cancelar o passeio, suponho que o Sr. Willoughby estava longe
de imaginar que fui chamado para dar apoio a alguém que ele tornou infeliz e
miserável. Mas, se aquele senhor soubesse disso, o que teria feito? Teria
dirigido sorrisos menos felizes e alegres a sua irmã? Não. Ele continuaria
agindo do mesmo modo, coisa que não faria nenhum homem que tivesse sentimentos
e consideração pelos outros. Ele havia abandonado uma moça jovem e inocente,
depois de seduzi-la, deixando-a numa situação terrível, numa casa não
respeitável, sem ajuda e sem que nenhum amigo soubesse onde ela se encontrava!
Ele a havia deixado prometendo que voltaria; não voltou, não escreveu e não a
socorreu."
Seu pedaço de bosta
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Um fato engraçado é que, na
versão global, Willoughby virou Uirapuru; achei adequado.
Sabendo todos esses detalhes,
Elinor sente-se mais aliviada, pois percebe a cilada da qual sua irmã escapou.
Ela logo conta tudo para Marianne, que tem a seguinte reação:
"Sua mente parecia ter-se
acomodado aos fatos, mas mergulhara em perigosa apatia. Ela havia sido mais
atingida pela demonstração de falta de caráter de Willoughby do que o fora pela
perda de seu coração. O fato de ele haver seduzido e abandonado a Srta.
Williams, a desgraça dessa pobre moça e a dúvida de que poderiam ser esses os
desígnios dele em relação a ela própria chocara Marianne de tal maneira que a
jovem não conseguia contar nem mesmo a Elinor como se sentia."
A garota é consolada pelas irmãs
e pela mãe, e sabendo agora do verdadeiro do homem tão idealizado por ela,
promete não voltar a encontrá-lo. Com o passar dos meses, o espaço que
Willoughby ocupava em seu coração acaba sendo preenchido por um novo afeto pelo
coronel Brandon, que se vê livre para cortejá-la. Elinor, que por sua vez
encontrava-se atormentada com as notícias de que Edward estava para se casar
com uma prima, recebe a notícia de que ele desfez o noivado e que o irmão dele
se casou com essa mesma garota, então ele está "livre" das altas
expectativas de sua mãe e assim pode se casar com ela. Ao saber disso, a mais
racional das Dashwoods chora de felicidade, sendo esse um dos pouquíssimos
momentos em que se deixa levar pela emoção.
Como nem tudo são flores,
Willoughby ainda aparece na maior cara de pau para se explicar a Elinor:
"Estou condenado para sempre
na opinião dela", disse a mim mesmo. "Estou expulso para sempre de
seu círculo de amizades; todos já me consideram um homem sem princípios e esta
carta apenas irá fazê-los ter certeza de que sou vil e desprezível". [...]
E todas as lembranças... o cacho de cabelos que eu adorava... foram tiradas de
mim com a mais graciosa virulência."
Ao que Elinor responde, com toda
a classe:
"O senhor está errado, Sr.
Willoughby, e merece severa censura.― Ainda que tentasse se controlar, a voz de
Elinor demonstrava emocionada compaixão. ― O senhor não tem o direito de falar
dessa maneira da minha irmã e nem da sua esposa. O senhor fez sua escolha.
Ninguém o forçou a fazê-la. A Sra. Willoughby merece sua consideração, seu
respeito, enfim. Ela deve amá-lo muito ou não teria se casado com o senhor.
Tratá-la com descortesia, falar dela com desprezo não é uma compensação para
Marianne e acredito que também não traga alívio algum a sua consciência."
Resolvida essa questão, ele
parte, ainda ressentido por Marianne se casar com Brandon, mas deixando a
certeza de que ela não está perdendo nada que preste. E elas ficam
livres para retomar o cotidiano:
"Marianne Dashwood havia
nascido para um destino extraordinário. Havia nascido para descobrir a
falsidade das próprias opiniões e para ir contra suas convicções por sua
própria conduta.[...] Pois assim foi. Em vez de entregar-se ao sacrifício da
mesma forma que se entregaria a uma irresistível paixão― como certa vez
afirmara com sinceridade que era o que esperava―, em vez de permanecer para
sempre em companhia de sua mãe, entregue apenas aos prazeres do retiro e dos
estudos―como determinara mais tarde quando já podia julgar os acontecimentos
com maior calma e sobriedade―, aos dezenove anos, viu-se entregue a um novo
afeto, dedicada a novos deveres, estabelecida em um novo lar como esposa, mãe
de família e senhora de um presbitério."
As irmãs Dashwood terminam casadas com homens de
bão coração e todos ficam felizes! Hurra!!!
Vera Holtz feliz; todos feliz.
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Análise crítica:
Eu acredito que Jane Austen não
esteja condenando totalmente a sinceridade e franqueza de Marianne tampouco
perdoando Willoughby, como expressado pelas palavras da Sra. Jennings:
"Bem, não é que eu queira
falar, mas quando um homem jovem, seja ele quem for, demonstra amor a uma linda
moça e lhe faz promessas de casamento, não tem o direito de fugir à palavra
dada apenas porque nasceu pobre e uma moça rica está disposta a casar com ele.
Em vez disso, por que esse cavalheiro não vende seus cavalos, não deixa sua
casa, não dispensa os criados e não procura endireitar sua vida? [...] Mas não,
isso não acontece nesses dias. Os moços de hoje não desistem dos prazeres por
nada deste mundo."
De fato, dona, de fato.
E essas caretas da Elizabeta me
deixam meio assustada às vezes
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Eu realmente acredito que, por
mais que os textos de Austen pareçam dar uma "lição de moral" no
leitor, reforçando as velhas convicções presentes na sociedade da época (a
mulher deve se preservar, do contrário será relegada por sua própria culpa) eu
não concordo totalmente com esta visão.
O final do livro é moralista
sim, mas, cabe perguntar qual a moral realmente dele: para uma época em que
uma mulher não era vista como um ser produtivo e capaz de refletir sobre sua
própria realidade, ter personagens como Elinor e Marianne, que tomam suas
próprias decisões e aprendem com elas, é algo muito avançado.
E o modo como a autora recrimina
as atitudes de alguém como Willoughby, tudo isso me leva a crer que a real
lição do livro não é "preserve sua castidade o máximo que você
puder", mas sim "Não confie em primeiras impressões". Por que, muitas
vezes, elas podem ser bastante enganadoras. Uma série de afinidades nem sempre
quer dizer que um relacionamento será bom, assim como a aparente falta delas
não é o bastante para condenar a possibilidade de um. Além disso, da mesma
forma que Marianne sofre por seu excesso de sinceridade, Elinor padece por
diversas vezes da indecisão e do retraimento de tal forma que seu amado quase
acaba por casar-se com outra sem saber dos seus sentimentos.
Saber dosar a razão e a emoção de
modo que não se sofra desnecessariamente, é o grande desafio que só a sabedoria
e a experiência ajudam a manejar.
Por isso, não se sinta mal se você ainda não tem um
amor pra chamar de seu. Encontrar alguém não é algo a ser exaltado como um
troféu, ou a solução para todos os problemas. E aqui vale a mesma regra que se
aplica à maioria das coisas na vida: se algo não te faz bem, é porque
provavelmente não serve pra você.
Então, é isso! Feliz dia dos Namorados!
"E entre os méritos de
Elinor e Marianne é preciso que se mencione, como o mais considerável, que
apesar de serem irmãs e viverem quase coladas uma à outra, jamais houve um
desentendimento entre elas, nem qualquer frieza entre seus maridos."
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Arte de patricialyfoung
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Eu nunca li Jane Austen, mas vi os filmes baseados na obra dela e confesso que esse moralismo que permeia algumas tramas me incomoda as vezes, algo que é compreensível considerando o contexto da autora. Aliás, acredito que contexto é a palavra chave aqui: o mérito principal - além dos estilisticos e literários já que mesmo sendo muito talentosa, apenas por ser mulher ela tinha que se esforçar duas vezes mais para receber metade do reconhecimento - está em desbravar os caminhos da literatura para as mulheres numa sociedade bem machista.
ResponderExcluirEu acabo tendo uma visão meio anacronica - e eu sei que isso não é certo - dessas obras mais antigas e por esse motivo elas não me chamam tanto atenção como obras mais contemporâneas. Ainda pretendo ler Orgulho e Preconceito por causa da sua importância histórica e política e vou tentar me desvencilhar dos meus preconceitos.
Eu ainda não vi os filmes, mas me divirto com a novela (pra qual eu torcia o nariz antes por preconceito bobo com histórias de romance).
ExcluirPra dizer a verdade, acho que esse moralismo é parecido com os textos do Dickens também. Por um lado, incomoda ter o autor martelando aquela lição de moral, mas por outro, eu me atrevo a dizer que literatura assim ajuda as pessoas a verem as coisas por outro ângulo ou enfrentar problemas pessoais. Parece um tanto simplista dizer isso, mas eu realmente acredito que algumas pessoas podem extrair um conhecimento quase prático dessas leituras, mas depende da interpretação do leitor, é claro. Mas eu concordo sim que o contexto merecia um pouco mais de menção minha, talvez (eu tinha terminado este artigo ontem e postei às pressas pro dia dos namorados por que achei que ajudaria na divulgação, haha, podem rir dos meus inúteis esforços).
E sim, as mulheres praticamente não tinham espaço na literatura, e até hoje não tem, principalmente as meninas negras, lgbt ou de regiões periféricas. Isso torna os parâmetros de análise da literatura enviesados e pode ser o motivo de muitas nem sequer ousarem se lançar no esforço de produzir algo, por acharem que não será bem recebido... enfim, eu também tenho dificuldades de ler algo sem pensar com a cabeça dos tempos atuais, mas acho interessante saber sobre esse contexto. (Até deveria ter colocado a fonte das informações, esqueci). Eu realmente preciso ler mais obras contemporâneas, ainda sinto medo de arriscar se não tiver uma recomendação.
É, vamos ler Orgulho e Preconceito, me avisa quando você começar! Quero ver se a Elizabeth fica o tempo todo segurando globos terrestres pra demonstrar seus anseios de liberdade igual na novela ;)
Juro que não sabia da ligação da novela com a obra da Jane Austen. Já ouvi falar da autora e suas obras, mas nunca li nada dela.
ResponderExcluirNossa, só vi seu comentário agora! Desculpe! Pois é, apesar de eu me manter bem informada sobre novelas eu demorei um pouco pra saber disso, até por conta das primeiras impressões (olha aí!) que eu tive. Se quiser começar a ler algo dela, sugiro Orgulho e Preconceito, que é o livro que a maioria das pessoas costuma gostar. ;)
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