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segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

Um conto de Natal





Olá, pessoa pessoas que acompanham este blog. Se divertiram muito comprando traquitanas, badulaques e baldes de batata frita na black friday?
Não, porque a competição ferrenha que rolou este ano me lembrou muito aquele episódio do Chaves em que ele e o Kiko competem tentando vender refresco pra Chiquinha. 


Mas deixando de lado o consumismo que impera nos últimos meses do ano, quero abrir um pequeno espaço para desabafar: Não acho que este blog irá durar até o ano que vem. E não digo isso só pela falta de comentários, (que também é bastante desanimadora) mas também porque uma série de fatores vem diminuindo minha vontade e disponibilidade para escrever aqui. O que eu quero dizer é que este foi um ano de muitas mudanças na minha vida: eu terminei de escrever um livro (apesar de ainda estar editando ele), fiz amizades com pessoas sensacionais que eu espero levar pelo resto da vida, e tomei atitudes com relação a problemas que vinham sendo negligenciados a anos. Ainda que pouco, eu cresci como pessoa em 2017.

Mas, infelizmente, também houve perdas ao longo do caminho. Quem me conhece saberá a que me refiro. Por mais que eu me esforce para manter o otimismo e lembrar de todas as coisas boas que me aconteceram, é  triste perceber que alguém que você admira não corresponde mais às suas expectativas. Não vou citar nomes, só dizer que um dos motivos pra este blog existir era minha admiração pelo trabalho de uma pessoa que, neste momento, eu não consigo mais apreciar. É claro, ninguém tem o compromisso de se adequar às minhas expectativas, mas quando se idealiza alguém por muito tempo, esse é quase sempre o resultado.

Talvez um dia eu olhe para trás e ache que foi uma coisa sem importância, talvez não. A única coisa que eu sei é que quando nossos ídolos nos desapontam, só o que resta é aceitar com humildade que somos todos humanos e seguir em frente.
 

Agora que estou com o coração mais leve, vamos à resenha!


Um Conto de Natal, escrito por Charles Dickens e publicado em dezembro de 1843 é com certeza a história natalina mais famosa de todos os tempos. O que se conta é que Dickens a escreveu em menos de um mês para pagar dívidas, sem imaginar que o livreto se transformaria num sucesso colossal de vendas, com mais de seis mil cópias em apenas uma semana.  O que foi bom, já que Dickens não era conhecido só por seus escritos, mas também por ser praticamente o Mister Catra da Inglaterra Vitoriana, tendo tido ao todo, 10 filhos. Isso e o fato dele ter nascido numa classe "inferior" em comparação a outros escritores da época contribuíam para que os críticos vissem seu trabalho com maus olhos.



Apesar de seu estilo ser classificado como "folhetinesco" e "moralista", Dickens escreveria depois muitas obras que são hoje consideradas alguns dos melhores romances ingleses, como Oliver Twist, A casa sombria e Grandes expectativas. Seus temas principais sempre foram a vida dos excluídos e a desigualdade social que reinava entre a classe operária inglesa. O próprio pai de Dickens foi preso por dívidas, o que obrigou o jovem Charles a trabalhar para sustentar a família, fato que marcou sua infância e influenciou suas obras.

Mas voltando ao assunto da resenha, o fato é que Um conto de Natal ainda é sua obra mais marcante no imaginário popular. Como um vírus, seu livrinho de Natal, como ele o chamava, infectou todo tipo de mídia e praticamente nenhum ícone da cultura pop passou imune a ela. Claro, eu não estou reclamando... eu adoro ver adaptações desse clássico. Se pelo menos isso não acontecesse em todo...





e qualquer...


especial...


de Natal...



URGHHHH!!!

Sendo sincera, alguns desses especiais são muito bons. Por exemplo, O Natal do Mickey, que é um dos meus preferidos desde sempre.


Curiosamente, o Tio Patinhas deve sua criação a este livro também, uma vez que foi baseado no avarento que todos conhecem como Ebenezer Scrooge. Seu nome em inglês é uncle Scrooge, não por acaso.

Sendo assim, acho que podemos prosseguir com a história. Como acredito que todos estamos cansados de saber o que acontece nela, tentarei ser mais sucinta. Pois bem:

Dickens começa a história afirmando o fato de que Marley está morto.





Não, não esse Marley...




Quase, mas...




É, esse Marley!

"Scrooge e ele foram sócios por não sei quantos anos. Scrooge era seu único testamenteiro, além de ser também seu único administrador, procurador, herdeiro, amigo e o único que chorou sua morte. Apesar disso, não ficou tão abalado a ponto de esquecer que era um homem de negócios e, assim, fechou um belo negócio ainda no dia do funeral, tornando essa data inesquecível."

Como podemos ver, Ebenezer Scrooge é um velho mau, repelente e nem um pouco bom. Se ele fizesse parte de uma associação, seria esta:




"Nenhum vento que soprasse era mais áspero que ele, nenhuma neve que caísse era mais insistente e determinada em seus propósitos e nenhum temporal podia ser mais desagradável. O tempo ruim não o impressionava. A chuva, a neve e o granizo só tinham uma vantagem sobre ele: caíam com graça, e Scrooge não tinha graça alguma."

"Sou melhor que você, velho capitalista!!!"

O narrador continua então a contar sobre o escritório de Scrooge, cujo único funcionário é o pobre coitado Bob Cratchit, ilustrado aqui pelo Mickey:



"Na sala de Scrooge havia um foguinho aceso, mas o do seu empregado era tão minúsculo que parecia feito de um único carvão. Entretanto, ele não podia reavivar este fogo porque Scrooge guardava a caixa de carvão em seu escritório e já tinha avisado que, se ele ousasse entrar lá com a pá, seria imediatamente demitido. Assim, o escrevente dava mais uma volta no cachecol branco e tentava aquecer-se na chama da vela, objetivo que jamais alcançava."

Assim que eu terminei de ler esse trecho me lembrei daquele meme "O trabalhador vai poder negociar diretamente com o patrão". Sim, eu passo muito tempo no twitter. 






Continuando, enquanto pensava em mais formas de oprimir o proletariado, Scrooge é interrompido por seu sobrinho que comete o erro de lhe desejar Feliz Natal e convidá-lo para a ceia. 





Frente à previsível reação do tio, ele pergunta o porquê de tanta irritação, ao que ele responde:





"E como posso não me irritar, em um mundo cheio de imbecis? – exclamou o tio. – Ora, Feliz Natal! Basta de Feliz Natal! O que é o Natal para você, senão a época de não ter dinheiro para pagar sequer suas contas? A época de se dar conta de que está um ano mais velho e nem uma hora mais rico; o momento para fazer um balanço nos livros de contabilidade e ver que cada item, nestes doze últimos meses, só lhe trouxe prejuízo? Por mim – continuou Scrooge, indignado –, cada idiota que saísse por aí desejando Feliz Natal deveria ser fervido, misturado junto com seu bolo de Natal e enterrado com um galho de pinheirinho no coração, isso sim!"

"Eu só queria algumas curtidas"- Geraldinho do grupo família, RIP

Após colocá-lo pra correr, dois cavalheiros pedindo por doações aparecem, e novamente, os resultados são previsíveis:



"– Nesta época de festas, senhor Scrooge – disse um dos cavalheiros, pegando uma caneta
–, torna-se ainda mais urgente que façamos doações aos necessitados, os quais têm sofrido  muito ultimamente. Milhares de pessoas não têm como satisfazer suas necessidades mínimas, e outras centenas de milhares vivem sem o menor conforto.
– Mas não há prisões?
– Sim, muitas – disse o cavalheiro, largando a caneta.
– E as casas de trabalho forçado? – perguntou Scrooge. –Ainda estão funcionando?
– Infelizmente estão – confirmou o homem. – Quem dera pudesse dizer o contrário.
– As leis dos trabalhos forçados e contra os mendigos ainda estão em vigor?
– A pleno vapor, senhor.
– Ah, levei um susto! Pelo jeito que o senhor falou eu
pensei que tivesse acontecido alguma coisa capaz de impedir o funcionamento dessas
instituições tão úteis. Fico feliz em saber que estão bem."


Crianças trabalhadoras em Londres.

Ao fim do expediente, Scrooge volta sozinho para casa, onde se depara com uma visão chocante:



"Embora visse o Fantasma de Marley na sua frente; embora sentisse a influência enregelante de seus olhos, frios como a morte, e reparasse até mesmo na grossura do lenço amarrado em torno de seu queixo e de sua cabeça, que não havia reparado antes, ainda assim não acreditava e lutava contra aquilo seus próprios olhos mostravam."

Ok, fica meio difícil achar o pateta assustador. Vejamos uma outra versão do Marley:


Não essa!






 Essa aí!


"O Espírito deu outro grito pavoroso, sacudiu novamente a corrente e torceu suas mãos fantasmagóricas.
– Você está acorrentado – disse Scrooge, tremendo. – Diga-me por quê.
– Carrego a corrente que fiz em vida – respondeu o Fantasma. – Fiz cada um destes elos, metro por metro, e enrolei-os em volta da cintura, por minha livre vontade, e por livre vontade arrasto-os por toda a parte. Olhe para esta corrente, não se parece com alguma que você conhece?
Scrooge tremia cada vez mais.
– Ou você saberia o peso e o comprimento da corrente que você mesmo carrega? Há sete
Natais, ela era tão pesada e comprida como esta. Desde então você tem feito de tudo para
aumentá-la, e agora ela está pesadíssima!
Scrooge olhou ao redor, por toda a peça, esperando se ver rodeado por uma imensa corrente de ferro. Mas não conseguiu ver coisa alguma.
– Jacob! – disse ele, implorando. – Velho Jacob Marley, me conte mais. Dê uma palavra
de consolo à minha pobre alma, Jacob!
Ele esticou os braços e ergueu suas correntes, como se elas fossem a causa de seu
inconsolável sofrimento, e depois deixou-as cair pesadamente ao chão.
– Nesta época do ano, meu sofrimento aumenta – disse o Fantasma. – Por que caminhei entre as pessoas e não olhei para elas? Por que nunca ergui os olhos para ver a Estrela Sagrada que conduziu os Reis Magos à manjedoura humilde? Como se não houvesse pobres casebres para os quais aquela luz poderia ter me conduzido!
Scrooge ficou muito perturbado ouvindo a lamentação do Espírito e começou a tremer.
– Ouça! – exclamou o Fantasma. – Meu tempo está acabando.
– Está bem – disse Scrooge –, mas não seja muito duro comigo, Jacob! Não seja tão
exagerado, por favor!
– Não sei lhe explicar como foi que apareci aqui de uma forma que você pudesse me ver. Estive sentado ao seu lado, por muitos e muitos dias, sem que você percebesse.
Não era agradável imaginar isso; Scrooge sentiu calafrios e enxugou a testa molhada de suor.
– Esta não é a parte mais leve do meu castigo – prosseguiu o Fantasma. – Estou aqui, esta
noite, para lhe avisar que você ainda tem uma chance de escapar do meu terrível destino, uma chance que consegui para você, Ebenezer.
– Você sempre foi um bom amigo para mim – disse Scrooge. – Muito obrigado.
– Três espíritos virão visitar você – disse o Fantasma.
Scrooge ficou quase da cor do Espírito.
– É esta a chance e a esperança de que você falou, Jacob? – perguntou, com a voz trêmula.
–Exatamente."




E este é o começo de Um conto de Natal. Conseguirá o velho sovina amolecer seu coração e se compadecer pelos mais necessitados antes que seja tarde? Vocês só saberão se lerem o livro...

Ou se tiverem assistido às trocentas adaptações na tv, como eu acredito que vocês já fizeram.


"Ah, mas eu não sei como termina..."





Algum outro comentário? Então, termino esta resenha aqui.  



Minhas impressões:




Apesar de dividir opiniões entre os críticos, a obra de Dickens e principalmente este livro influenciaram uma série de leitores ao longo do anos, que aqueceram seus corações com a história do velho sovina. Robert Louis Stevenson e Thomas Carlyle se disseram tocados ao ponto de contribuir para a caridade. No começo do século XX, Maud de Gales, a rainha da Noruega, chegou a enviar presentes para as crianças de uma associação para portadores de deficiência física em Londres, assinando "com amor, do Pequeno Tim".



Aww... desculpem, é que caiu um cisco no meu olho, só isso!

Acho que a lição que fica é que você não precisa ser a rainha do País de Gales pra realizar um ato de caridade. Se você puder, faça algo de bom para quem está perto de você. Garanto que todos se sentirão muito mais felizes.

Assim, eu recomendo muito essa leitura, pois é um livro curto e muito gostoso de ler. Também recomendo a adaptação da Disney que é a que eu levo no coração e na minha memória de criança.

Eu fico por aqui, desejando um ótimo fim de ano e Boas Festas para todos vocês!

 

segunda-feira, 6 de novembro de 2017

Alice no País das Maravilhas




Como vão vocês? Cheirosos?
Dizem que muitos escritores tem ideias durante o banho, mas eu acho que deve ser bem difícil anotá-las debaixo do chuveiro. Ah, olha só, um bloco de notas à prova d'agua!

Nossa, eles inventam de tudo, hein?

E por que estou falando disso quando deveria estar falando do livro? Ora, porque a sensação que eu tive ao ler Alice foi exatamente essa: uma sucessão de divagações loucas e sem nexo até que a coisa fica realmente interessante.

Não me apedrejem ainda, por favor...

As aventuras de Alice no País das Maravilhas (ou Alice no País das Maravilhas, como foi chamado em edições posteriores) é um livro de fantasia de 1865, escrito pelo matemático Charles Lutwidge Dodgson, sob o pseudônimo de Lewis Carroll, também conhecido como "aquele escritor que tirava fotos de menininhas nuas"...



E que, muito provavelmente, tomava chá com ópio

Piadas à parte, é um pouco complicado taxá-lo como pedófilo, visto que este era um costume relativamente comum para a sociedade vitoriana, que via a nudez infantil como uma expressão de inocência. Mas também é difícil ignorar o teor um tanto romântico das cartas que ele escrevia à Alice Liddell, a garotinha de 10 anos que teria inspirado sua personagem icônica. A amizade com ela foi interrompida pela mãe de Alice, o que contribui para a visão de que tinha algo de podre no reino da Dinamarca. Fato é, não existem provas conclusivas de que ele tenha abusado sexualmente dela ou de nenhuma garota.
 
Sendo assim, talvez seja melhor deixarmos essas especulações de lado e falar de outras coisas perturbadoras, como essa ilustração:



 

Sinceramente, quem foi que pensou "Ah, essa é uma boa gravura para um livro infantil". MEU DEUS... Mas que...



E quanto menos soubermos das adaptações, melhor...

Interessante notar que O mágico de Oz foi publicado em 1900, ou seja, apenas 35 anos depois de Alice. E O Sítio do Picapau Amarelo foi lançado logo em 1920. E o que isso significa?

Nada, eu só queria ver se vocês estavam mesmo prestando atenção.

Falando sério, em semelhanças esses três livros infantis se destacam por não terem uma "lição de moral" definidinha ao fim da história, o que não quer dizer que eles não tenham algumas mensagens, é claro. Mas, diferente destes outros, Alice é um livro de fantasias para crianças e um livro de enigmas para os adultos. Contrariando todas as leis da lógica social, Lewis Carroll além de escritor era também um matemático e encheu seu livro de brincadeiras e paródias que só pessoas que não são de humanas iriam entender. Sendo assim, eu não faço nem ideia de que enigmas sejam esses, então não perguntem.

Tudo o que eu sei é que Carroll não gostava das ideias dos jovens matemáticos da Christ Church College em Oxford. Coisas radicais como números imaginários e toda aquela merda de álgebra e polinômios que não fazem diferença nenhuma pras nossas vidas. Sendo um seguidor da velha escola da matemática concreta, o puritano Charles Dodgson sentia-se deslocado na faculdade, temendo que essas novas ideias sobre raíz quadrada de -1 pudessem levá-lo diretamente para Satanás.


Chernabog, observando você resolver uma raíz biquadrada e sorrindo por dentro

Alice no País das Maravilhas seria portanto uma paródia elaborada sobre um matemático concreto indo parar num mundo onde nada faz sentido, ou seja, todas as aulas de matemática a partir da quinta série. Teria ele alguma razão nisso? É o que vamos descobrir.




O livro começa com Alice sentada numa ribanceira ao lado da irmã mais velha, que lê algo que, pela descrição pode ser qualquer coisa. "Espiara uma ou duas vezes o livro que estava lendo, mas não tinha figuras nem diálogos, "e de que serve um livro", pensou Alice, "sem figuras nem diálogos?" "

"Algum tempo depois, ela lançaria um sucesso editorial sem precedentes"

Sentindo-se sonolenta, ela vê um coelho branco de olhos cor-de-rosa passar correndo:



"Não havia nada de tão extraordinário nisso; nem Alice achou assim tão esquisito ouvir o Coelho dizer consigo mesmo: “Ai, ai! Ai, ai! Vou chegar atrasado demais!” (quando pensou sobre isso mais tarde, ocorreu-lhe que deveria ter ficado espantada, mas na hora tudo pareceu muito natural); mas quando viu o Coelho tirar um relógio do bolso do colete e olhar as horas, e depois sair em disparada, Alice se levantou num pulo, porque constatou subitamente que nunca tinha visto antes um coelho com bolso de colete, nem com relógio para tirar de lá, e, ardendo de curiosidade, correu pela campina atrás dele, ainda a tempo de vê-lo se meter a toda a pressa numa grande toca de coelho debaixo da cerca."

Com a curiosidade de um hipster numa feira de antiguidades, Alice persegue o coelho até um poço, onde ela despenca. O poço é enorme e ela se sente "caindo no centro da terra".





Sem mais nada pra fazer enquanto cai, ela começa a fazer o que qualquer dono de gato faria nessa situação, que é imaginar como seu pet lidará com sua insuportável ausência.

"Pffft...Humanos tolos"

Finalmente, ela aterrissa num monte de gravetos e ao invés de entrar em pânico por estar num lugar desconhecido e provavelmente perdida para sempre, ela continua atrás do coelho, que corre mais que os acionistas durante a queda da bolsa. Ela chega num salão onde encontra várias portas, porém todas trancadas. Então, a menina topa com uma mesinha onde encontra uma chave, que abriria uma portinha do tamanho de um buraco de rato. Voltando à mesa, ela encontra uma garrafinha escrito "BEBA-ME", ao que ela obedece.  E todos sabemos o que o seu Madruga diria de uma atitude dessas:


Ignorando o PRE-RI-GO, Alice não morre envenenada ao tomar o líquido, mas sente gosto de uma  refeição completa e...

"Sempre falha na sobremesa"

Ao invés de inflar e ficar azul, ela apenas encolhe, salvando Roald Dahl de uma acusação de plágio.
Agora, com o tamanho certo, ela corre animada para a porta, quando percebe que esqueceu-se de pegar a chave...




Então ela descobre uma caixinha com um rótulo escrito COMA-ME, e outra vez ignorando os sábios conselhos de Don Ramón, ela come o bolo desconhecido que estava dentro da caixa, aumentando tanto de tamanho que não consegue nem mais enxergar os próprios pés.

Chateada, ela começa a chorar, e quando eu digo chorar, eu quero dizer lacrimejar a ponto de inundar o ambiente.




Sendo uma pessoa que chora até com casamentos, eu me identifico com essa cena mais do que gostaria.

" "Vamos, não adianta nada chorar assim!” disse Alice para si mesma, num tom um tanto áspero, “eu a aconselho a parar já!” Em geral dava conselhos muito bons para si mesma (embora raramente os seguisse), repreendendo-se de vez em quando tão severamente que ficava com lágrimas nos olhos [...]"

Suas lágrimas formam uma lagoa e ela avista o coelho correndo outra vez apressado, mas ao tentar pedir-lhe ajuda, ele escapa, deixando pra trás as luvas e um leque. Alice os recolhe e fica a refletir sobre sua própria identidade:

" "Ai, ai! Como tudo está esquisito hoje! E ontem as coisas aconteciam exatamente como de costume. Será que fui trocada durante a noite? Deixe-me pensar: eu era a mesma quando me levantei esta manhã? Tenho uma ligeira lembrança de que me senti um bocadinho diferente. Mas, se não sou a mesma, a próxima pergunta é: ‘Afinal de contas quem sou eu?’ Ah, este é o grande enigma!” E começou a pensar em todas as crianças da sua idade que conhecia, para ver se poderia ter sido trocada por alguma delas."

Depois de muitas e muitas elucubrações desse tipo, ela percebe que outra vez mudou de tamanho, encolhendo até o tamanho da porta, mas dá um passo em falso em direção à lagoa, onde escapa de afogar se agarrando a um camundongo. Em retribuição a este por ter-lhe salvo a vida, Alice começa a tagarelar sobre Diná, sua gata.Afinal, que jeito melhor de agradecer seu salvador que assustando ele pra caralho?

O camundongo ainda a leva para a margem, onde eles encontram com uma série de outros bichos, entre eles o Dodô que coordena um ritual para que todos os animais molhados sequem, e ...

Aff... Sinceramente, eu comecei a ficar cansada do livro nesta parte. Não, na verdade foi na parte do estica e encolhe com a Alice, mas a este ponto eu não tenho muita escolha a não ser prosseguir, não é?

Ok, vamos resumir a coisa toda com o atalho de todo escritor cansado/preguiçoso: imagens!


Alice assiste a reunião para secagem do Dodô que não leva a nada e que na verdade é uma espécie de paródia para as reuniões entre líderes da época. Também serve bem para a atualidade.


Depois, ela segue o coelho até a casa dele, onde outra vez ela ignora o sábio e antigo preceito do Seu Madruga e come o bolo, aumentando de tamanho e tornando-se uma aberração tão horrenda ao ponto do coelho pensar em queimá-la com casa e tudo.




Alice felizmente encontra outro bolo e diminui de tamanho. Então ela encontra um cachorrinho muito fofo, mas com medo de que ele venha a devorá-la caso esteja pequena o suficiente para caber numa bocada, ela o distrai com um graveto e corre, encontrando a única lagarta azul com chances de desenvolver problemas pulmonares:



"" A LAGARTA E ALICE ficaram olhando uma para a outra algum tempo em silêncio. Finalmente a Lagarta tirou o narguilé da boca e se dirigiu a ela numa voz lânguida, sonolenta.
“Quem é você?” perguntou a Lagarta.
Não era um começo de conversa muito animador. Alice respondeu, meio encabulada: “Eu… eu mal sei, Sir, neste exato momento… pelo menos sei quem eu era quando me levantei esta manhã, mas acho que já passei por várias mudanças desde então.”

Essa é a parte que o pessoal mais cabeça gosta de citar, e também a mais usada por professores de filosofia pra ilustrar o conceito de identidade e o questionamento existencial que nos acompanha ao longo de nossas vidas. Sabe, aquela sensação de estar sentado (ou sentada) no sofá num domingo, coçando o umbigo e se perguntando como foi que chegamos a tal ponto das coisas?

Eu tenho certeza de que vocês já estão cansados de ouvir sobre isso no twitter, então dane-se.

A lagarta logo se cansa de Alice e vai embora, gritando a dica do cogumelo, pra ela ficar mais alta...Sim, essa foi uma piada boba sobre drogas. Porque um artigo sobre Alice no País das Maravilhas não começa realmente até que alguém mencione o consumo de substâncias alteradoras da consciência.

Antes que o Leão da Proerd aparecesse no lugar e arrastasse a cara dela no chão, Alice encontra a casa de uma tal Duquesa, que carrega um bebê que se parece com um porco. E que faz sons de porco... e também cheira como um...



"Quer dizer que ISTO NÃO É UM BEBÊ? EU DUVIDO, SENHOR!"





E essa Duquesa é uma puta mãe desnaturada, pois assim que a vê, joga o "bebê" em cima da Alice pra ir jogar croquê com a Rainha de Copas. E eu realmente não entendi essa história da pimenta...

Fato é que a Rainha de Copas é dita por muitos como sendo uma caricatura da rainha Vitória.




Que a propósito, adorou o livro.
E os súditos são baralhos de cartas não por acaso; eles cumprem todas as ordens esdrúxulas do rei e da rainha, que "jogam" com eles. Mas falarei disso daqui a pouco.

Alice sai da casa da Duquesa e encontra o gato de Cheshire numa árvore e tem um sobressalto:


"Essas ilustrações...elas queimam em minha mente!"

E o diálogo que se segue é este:

“Poderia me dizer, por favor, que caminho devo tomar para ir embora daqui?”
“Depende bastante de para onde quer ir”, respondeu o Gato.
“Não me importa muito para onde”, disse Alice.
“Então não importa que caminho tome”, disse o Gato.
“Contanto que eu chegue a algum lugar”, Alice acrescentou à guisa de explicação.
“Oh, isso você certamente vai conseguir”, afirmou o Gato, “desde que ande o bastante.”
Como isso lhe pareceu irrefutável, Alice tentou uma outra pergunta. “Que espécie de gente vive por aqui?”
“Naquela direção”, explicou o Gato, acenando com a pata direita, “vive um Chapeleiro; e naquela direção”, acenando com a outra pata, “vive uma Lebre de Março. Visite qual deles quiser: os dois são loucos.”
Mas não quero me meter com gente louca”, Alice observou.
“Oh! É inevitável”, disse o Gato; “somos todos loucos aqui. Eu sou louco. Você é louca.”
“Como sabe que sou louca?” perguntou Alice.
“Só pode ser”, respondeu o Gato, “ou não teria vindo parar aqui.”


"Droga, me dizem o mesmo em todas as redes sociais!"


O diálogo continua com o gato explicando a Alice como ele pode saber que ele mesmo é louco, e eu não vou colocar o diálogo aqui por que eu acho que vocês devem mesmo ler esse livro. Procura no google, tem pra baixar ou ler online em qualquer lugar, uma vez que ele caiu em domínio público há mais de um século.

Depois do gato assustá-la várias vezes sumindo e aparecendo, Alice decide seguir em direção a casa da Lebre de Março, onde encontra a cena que vem a cabeça de todo mundo quando pensa nessa história: a Lebre e o Chapeleiro tomando chá.





"EM FRENTE À CASA HAVIA UMA MESA posta sob uma árvore, e a Lebre de Março e o Chapeleiro estavam tomando chá; entre eles estava sentado um Caxinguelê, que dormia a sono solto, e os dois o usavam como almofada, descansando os cotovelos sobre ele e conversando por sobre sua cabeça. “Muito desconfortável para o Caxinguelê”, pensou Alice; “só que, como está dormindo, suponho que não se importa.”"


Pra quem não sabe, caxinguelê não é um camundongo, mas uma espécie de esquilo ou arganaz. Eu sempre achei que fosse um ratinho por causa da versão da Disney. Já a Lebre de Março tem esse nome porque dizia-se na Inglaterra que março era o mês das lebres agirem como loucas, por causa da reprodução.

Terminadas essas tangentes de biologia, tenho que dizer que esta é a melhor parte do livro. Nada do que eu escrever aqui fará jus a própria experiência de lê-lo.

Conversa vai conversa vem, a Lebre propõe uma advinha:

“Por que um corvo se parece com uma escrivaninha?”
“Oba, vou me divertir um pouco agora!” pensou Alice. “Que bom que tenham começado a propor adivinhações.” E acrescentou em voz alta: “Acho que posso matar esta.”
“Está sugerindo que pode achar a resposta?” perguntou a Lebre de Março.
“Exatamente isso”, declarou [...]."

Quando volta a perguntar sobre, eles respondem:
“Já decifrou o enigma?”, indagou o Chapeleiro, voltando-se de novo para Alice.
“Não, desisto”, Alice respondeu. “Qual é a resposta?”
“Não tenho a menor ideia”, disse o Chapeleiro.
“Nem eu”, disse a Lebre de Março.

Para aqueles que ficaram curiosos, há várias respostas possíveis e uma do próprio autor, que na minha opinião, não é tão engraçada. Vocês podem verificar neste artigo em inglês aqui, ou então passar o mouse sobre esta linha: R: "Porque Poe escreveu sobre os dois" é a minha resposta preferida. A resposta feita por Lewis Carrel é mais poética e menos engraçada:  "Because it can produce a few notes, tho they are very flat; and it is nevar put with the wrong end in front!" Ou traduzindo muito livremente: "Porque produz algumas notas, apesar delas serem planas (bemol); e ela é nunca (nevar) colocada ao contrário!"


 Alice suspirou, entediada. “Acho que vocês poderiam fazer alguma coisa melhor com o tempo”, disse, “do que gastá-lo com adivinhações que não têm resposta.”
O Chapeleiro então adverte que ela não deveria falar assim do tempo, visto o que aconteceu quando ele foi chamado a recitar para a Rainha de Copas:
"“Bem, eu mal acabara a primeira estrofe”, disse o Chapeleiro, “quando a Rainha deu um pulo e berrou: ‘Ele está matando o tempo! Cortem-lhe a cabeça!’”
“Terrivelmente cruel!” exclamou Alice.
“E desde aquele momento”, continuou o Chapeleiro, desolado, “ele não faz o que peço! Agora, são sempre seis horas.”
Alice teve uma ideia luminosa. “É por isso que há tanta louça de chá na mesa?” perguntou.
“É, é por isso”, suspirou o Chapeleiro; “é sempre hora do chá, e não temos tempo de lavar a louça nos intervalos.”"
 Após o que me parece a desculpa pra não lavar louça mais esfarrapada de todos os tempos, o caxinguelê conta uma história pra boi dormir que Alice interrompe a toda hora tentando encontrar sentido numa maluquice, igual aos youtubers tentando explicar como um filme do Rei Leão em live action pode ser chamado assim se não terá nenhum ator em cena. O bastardo do coelho branco aparece de novo e tem seu relógio trucidado pelos dois viciados em chá.

Por fim, Alice vai embora resumindo seus sentimentos sobre a coisa toda: "Foi o chá mais idiota de que participei em toda a minha vida!”
"Como essa imagem veio parar aqui?"

 Caminhando outra vez pelo corredor com a mesinha de vidro, Alice topa com um jardim encantador com fontes de água e um baralho de cartas pintando rosas:

""UMA GRANDE ROSEIRA CRESCIA junto à entrada do jardim; suas flores eram brancas, mas três jardineiros estavam à sua volta, pintando-as de vermelho. Alice achou aquilo curiosíssimo e se aproximou para observá-los;[...]

“Ora, o fato, Senhorita, é que aqui devia ter sido plantada uma roseira de rosas vermelhas, e plantamos uma de rosas brancas por engano; se a Rainha descobrir, todos nós teremos nossas cabeças cortadas. Assim, senhorita, estamos nos virando como podemos, antes que ela chegue…”"

As rosas poderiam ser uma referência à Guerra das Rosas (1455-1487), um conflito entre duas Casas cujos símbolos eram respectivamente uma rosa branca e uma vermelha. Pois é, ao contrário do que o seu coraçãozinho nerd pós-modernista acredita, George Martin não foi o primeiro a se inspirar nesse momento histórico.




"Depois vinham os convidados, na maioria Reis e Rainhas, e entre eles Alice reconheceu o Coelho Branco: falava depressa, nervosamente, sorria de tudo que era dito e passou sem a notar. Seguia-os o Valete de Copas, transportando a coroa do Rei numa almofada de veludo vermelho; e por fim, fechando esse grande cortejo, VIERAM O REI E A RAINHA DE COPAS."



A rainha ao ver toda aquela esbórnia, grita mais que a louca dos gatos, ordenando que cortem as cabeças.


"You will FLOAT TOO!!"

A verdade é que, mesmo com os habitantes do país das maravilhas temendo a rainha, ninguém nunca cumpre suas ordens. Isso porque, se formos pela teoria de que a rainha de Copas nada mais é do que uma caricatura da rainha Vitória, isso ilustra como o poder da monarca inglesa era limitado no sistema parlamentarista na Inglaterra do século XIX.

Logo a partida de croquet tem início e a rainha se distrai, esquecendo das execuções. Ela força Alice a entrar no jogo, sendo que as regras não fazem o menor sentido e sempre beneficiam a rainha. Então o gato de Cheshire aparece e, após conversar um pouco com Alice, manda o rei se fuder bem na cara dele. A partir daí, instaura-se o pandemônio  (sempre quis usar essa palavra):

"O ponto de vista do carrasco era que não se podia cortar uma cabeça fora a menos que houvesse um corpo do qual cortá-la; que nunca tinha feito coisa parecida antes e não ia começar naquela altura da sua vida.
O ponto de vista do Rei era que tudo que tinha cabeça podia ser decapitado, e que o resto era despautério.
O ponto de vista da Rainha era que, se não se tomasse uma medida a respeito imediatamente, mandaria executar todo mundo, sem exceção. (Foi esta última observação que deixou todo o grupo tão sério e preocupado.)"

"Let them fight..."


Disposta a salvar seu amigo, Alice sugere que chamem a Duquesa, que é sua dona. A velha caquética aparece e fica a encher o saco da garota com suas ladainhas que me lembram muitos dos vídeos de resenhas do youtube:

"Neste instante não posso lhe dizer qual é a moral disso, mas vou me lembrar daqui a pouquinho.”
“Talvez não tenha nenhuma”, Alice atreveu-se a observar.
“Ora, vamos, criança!” disse a Duquesa. “Tudo tem uma moral, é questão de saber encontrá-la.” E enquanto falava se achegou mais a Alice.
“É mesmo”, concordou a Duquesa, “e a moral disso é… ‘Oh, é o amor, é o amor que faz o mundo girar’.”
“Alguém disse”, Alice murmurou, “que ele gira quando cada um trata do que é da sua conta.”"

A Rainha de Copas fica puta por uma vez na vida não estar sendo o centro das atenções e manda a Duquesa evaporar antes que ela enfie a cabeça dela na própria bunda. A vaca obedece.





"Então a Rainha parou de jogar, completamente esbaforida, e perguntou a Alice: “Já esteve com a Tartaruga Falsa?”
“Não”, respondeu Alice. “Nem sei o que é uma Tartaruga Falsa.”
“É aquilo de que se faz a Sopa de Tartaruga Falsa”, explicou a Rainha.
“Nunca vi, nem ouvi falar disso”, disse Alice.
“Então venha”, chamou a Rainha, “e lhe contarei a história dela.”

Caralho, essa história não acaba... A filha da puta da rainha empurra Alice até uma caverna onde um grifo e a tal Tartaruga falsa ficam coçando o rabo o dia inteiro. Alice pergunta qual é a dela e o quelônio responde na forma mais lenta que você puder imaginar:



"“Antigamente”, disse a Tartaruga Falsa com um suspiro profundo, “eu era uma Tartaruga de verdade.”
Essas palavras foram seguidas por um silêncio muito longo, quebrado apenas por uma exclamação ocasional — “Hjcrrh!” — do Grifo e o soluçar constante e fundo da Tartaruga Falsa. Alice estava a ponto de se levantar e dizer “Muito obrigada, Sir, por sua interessante história”, mas, como não conseguia deixar de acreditar que tinha de vir mais alguma coisa, ficou quieta e não disse nada."

"Então,eu disse "estúpida", e ela comeu a minha cabeça..."

Sério, eu acho que quando o Lewis Carroll escreveu esse capítulo, ele o dedicou às duas tias solteironas e completamente chatas que ele devia ter, porque meu Deus, que velhas mocorongas. Elas começam a entediar a garota falando sobre suas vidas acadêmicas e Alice procede puxando assunto e perguntando o tipo de aulas que elas tinham:

"“Bem, tínhamos Histeria”, respondeu a Tartaruga Falsa, contando as matérias nas patas, “Histeria antiga e moderna, com Marografia; depois Desdém… o professor de Desdém era um congro velho, que ia lá uma vez por semana: ele nos ensinava a Desdenhar, Embolsar e Pingar a Alho.”

E quantas horas de aula você tinha por dia?” indagou Alice, aflita para mudar de assunto.
“Dez horas no primeiro dia”, disse a Tartaruga Falsa, “nove no seguinte, e assim por diante.”
“Que programa curioso!” exclamou Alice.
“Só assim você se prepara para uma carreira: aulas mais rápidas a cada dia”, observou o Grifo.
A ideia era inteiramente nova para Alice e ela refletiu um pouco a respeito antes de fazer mais uma observação: “Nesse caso, no décimo primeiro dia era feriado?”
“Claro que era”, disse a Tartaruga Falsa.
“E como se arranjavam no décimo segundo?” Alice insistiu, sôfrega.""

Aí, a Tartaruga muda de assunto completamente, falando de uma quadrilha de Lagostas, o que me soa muito apetitoso, mas infelizmente, é só uma dança bizonha. Alice faz seu melhor e despista as duas, voltando para o jogo de croquê, onde os participantes estão prestes a matarem uns aos outros porque alguém roubou umas tortas da Rainha. O rei ordena que se faça um julgamento e todos os presentes são forçados a testemunharem, inclusive Alice. E como no jogo, nenhuma regra ali faz sentido. Nesse meio tempo, Alice aumenta de tamanho subindo mais que a inflação ano passado, o que faz o rei dizer que por lei, ela devia estar fora do tribunal. Antes que possa dizer "Cala a boca, seu animal!", a Rainha diz que lhe dará a sentença, ao que Alice protesta.

""Não, não!” disse a Rainha. “Primeiro a sentença… depois o veredito.”
“Mas que absurdo!” Alice disse alto. “Que ideia, ter a sentença primeiro!”
“Cale a boca!” disse a Rainha, virando um pimentão.
“Não calo!” disse Alice.
“Cortem-lhe a cabeça!” berrou a Rainha. Ninguém se mexeu.
“Quem se importa com vocês?”, disse Alice (a essa altura, tinha chegado a seu tamanho normal). “Não passam de um baralho!”"

As cartas caem sobre ela, furiosas, e então:





Era tudo só um sonho! (Ah, que decepcionante...)






"[...] tentou repeli-los e se viu deitada na ribanceira, a cabeça no colo da irmã, que afastava delicadamente algumas folhas secas que haviam voejado das árvores até seu rosto.
“Acorde, Alice querida!” disse sua irmã. “Mas que sono comprido você dormiu!”
“Ah, tive um sonho tão curioso!” disse Alice, e contou à irmã, tanto quanto podia se lembrar delas, todas aquelas estranhas aventuras que tivera e que você acabou de ler; quando terminou, a irmã a beijou e disse: “Sem dúvida foi um sonho curioso, minha querida; agora vá correndo tomar o seu chá, está ficando tarde.” Alice então se levantou e saiu correndo, pensando, enquanto corria o mais rápido que podia, que sonho maravilhoso tinha sido aquele."

Dorothy e Alice num encontro que poderia acontecer, mas vocês fanfiqueiros, não colaboram.



"Ficou ali sentada, os olhos fechados, e quase acreditou estar no País das Maravilhas, embora soubesse que bastaria abri-los e tudo se transformaria em insípida realidade… a relva só farfalharia ao vento, e as águas da lagoa só se encrespariam ao ondular dos juncos… as xícaras de chá tilintantes se transformariam no tinir dos sinos das ovelhas, e os gritos agudos da Rainha na voz do pastorzinho… e os espirros do bebê, o guincho do Grifo, e todos os outros barulhos esquisitos se converteriam (ela sabia) no alarido do movimentado terreiro da fazenda… enquanto os mugidos do gado à distância iriam tomar o lugar dos soluços tristes da Tartaruga Falsa.

Por fim, imaginou como seria essa mesma irmãzinha quando, no futuro, fosse uma mulher adulta; e como conservaria, em seus anos maduros, o coração simples e amoroso de sua infância; e como iria reunir outras criancinhas à sua volta e tornar os olhos delas brilhantes e impacientes com muitas histórias estranhas, talvez até com o sonho do País das Maravilhas de tanto tempo atrás; e como iria sofrer com todas as mágoas simples dessas crianças, e encontrar prazer em todas as alegrias simples delas, lembrando sua própria vida de criança, e os dias felizes de verão."







Minhas considerações:

Pra ser sincera, mesmo com um artigo enorme como este, acho que não fiz justiça a esse livro. Existem muitos trocadilhos, metáforas e referências históricas, filosóficas e literárias que eu simplesmente não tive como pegar. Este é um livro que merece uma segunda leitura minha. Dentre várias interpretações, as que mais se destacam são as críticas de Carroll à sociedade Vitoriana, que por ser ultra-conservadora e moralista, incutia desde cedo nas crianças a tarefa de serem mini-adultos e se importarem demais com a opinião dos outros, algo que se refletia em muitas produções literárias da época. Alice é o  símbolo máximo da crítica a esse pensamento.

Apesar de toda a controvérsia envolvendo seu autor, posso dizer que aprecio as brincadeiras lógicas do livro, que, na minha opinião, são a maior razão pela qual ele provavelmente continuará sendo um marco atemporal na literatura.  

* Um adendo sobre o conservadorismo da Era Vitoriana: engraçado como eles achavam que as crianças tinham que agir como adultos sérios, ao mesmo tempo em que os retratos de crianças nuas eram exaltados como expressão da pureza e ingenuidade infantis, não? Não estou querendo dizer que os ingleses da Era Vitoriana eram mais hipócritas que outras sociedades, só acho curioso como na atualidade ocorre um fenômeno parecido: desqualifica-se a infância, ao mesmo tempo em que se exaltam as vantagens de ser criança. Tratam estudantes como pequenos adultos, que precisam se preocupar desde cedo com o vestibular e em votar com 16 anos.

Tudo bem se você tem uma visão diferente, mas eu considero sim, uma hipocrisia colocar responsabilidades de adulto nos ombros de uma criança e depois exigir que ela tenha uma atitude madura quando ela nem sequer viveu a infância a que tinha direito. 

E vocês, o que acham desse assunto? Já leram o livro? Quais foram suas conclusões a respeito? Comentem, discordem, o importante é participar de forma civilizada, é claro.

Ah, e aqui tem a coleção completa das pinturas feitas por Salvador Dalí com esse tema.


E para darmos um chute nos fundilhos de 2017 com chave de ouro, teremos resenha deste clássico que vocês com certeza saberão qual é só de olhar o gif:
"Você acha que vai decidir quem deve viver e quem deve morrer? [...] Santo Deus! É insuportável ter que ouvir o inseto na folha decidir que há vida demais entre seus irmãos esfomeados sobre o pó!" 

Aguardem, e até Dezembro!