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terça-feira, 12 de junho de 2018

Razão e Sensibilidade: os perigos do coração








E chega o dia em que falaremos de literatura feita de janotas, moçoilas casadoiras e cafajestes que não valem um tostão furado. Claro, não estou falando dos livros da coleção Sabrina, mas sim de Jane Austen!

E claro, teremos spoilers!

Mas antes, vamos falar de novela das seis! (por favor, não vão embora ainda)






Orgulho e Paixão estreou em Março na Globo e prometia nas chamadas ser uma novela "empoderada", trazendo as principais personagens dos livros de Austen como mulheres independentes e protagonistas de suas próprias histórias. É, pero no mucho, visto que, assim como as protagonistas de Jane Austen, o foco verdadeiro delas são os relacionamentos. E, veja bem, não tem nada de errado nisso; claro, as chamadas da novela foram parcialmente enganadoras sim, mas pra quem conhecia a ideia de fazer um grande "crossover" de romances, não foi surpresa nenhuma. 





Quem é Marvel Universe perto disso?!

Por ser apenas baseada nas histórias dos livros, a novela junta e combina personagens que, de outra forma, nunca se encontrariam, o que eu considero um ponto interessante pra quem já leu as obras. Eu, como a leitora preguiçosa que sou, só havia lido Razão e Sensibilidade, da qual trataremos mais a fundo. Antes disso, no entanto, acho importante um pouco de contexto histórico sobre a obra e a autora:


O revolucionário fim do século XVIII, como foi chamado, representou importantes transformações sociais em toda a Europa. A Revolução Francesa (1789-1799) e a Revolução Industrial (1760-1840) trouxeram uma forte instabilidade econômica e social. De repente, o poder estabelecido já não era mais inabalável, pelo contrário, e ondas revolucionárias nos diversos setores ameaçavam um sistema de crenças nunca antes tão veementemente questionadas. O liberalismo econômico confere novo poder e papel social à burguesia frente a uma nobreza acomodada, cidades tornam-se superpovoadas e uma infinidade de bens de consumo passa a fazer parte do dia a dia de quem pode pagar por eles. A segmentação de classes porém, continuava visível, e as mulheres ainda sofriam (e sofreriam por muito tempo) com uma gritante falta de independência, principalmente econômica. Isso porque, pela lei, mulheres nunca eram as herdeiras diretas nas famílias. Toda a fortuna, terras e propriedades geralmente iam sempre para o homem que fosse o próximo na linha de sucessão, sobrando às mulheres se contentarem com pequenas quantias que por ventura lhe fossem deixadas. É nesse contexto de transformações sociais e opressão que nasce Jane Motherfucker Austen.




Nascida em 16 de dezembro de 1775, no interior da Inglaterra, ela era filha de um pastor anglicano vindo de uma respeitável e rica família de comerciantes de lã. Porém, com o passar das gerações e com todos os parentes homens da família recebendo suas heranças, Jane e sua irmã mais velha Cassandra acabaram relegadas à perspectiva de pobreza ou um casamento fortuito. Apesar de ter tido ao menos dois relacionamentos ao longo da vida de Jane, nem ela e nem a irmã se casaram, dependendo da ajuda dos irmãos e da renda ganha com seus livros. Na época, como mulheres também não possuíam poder jurídico para assinar contratos, seu irmão assumia essa função, e as obras eram publicadas em nome de "uma dama" apenas. Uma carreira literária era algo tão fora das possibilidades que a sociedade reservava a uma mulher "respeitável" que Jane Austen nunca teve nenhum livro publicado com seu nome em vida, o que me parece a coisa mais triste sobre essa história toda.



Aquarela de Jane, feita por Cassandra Austen


"O inferno é uma cidade semelhante a Londres, uma cidade esfumaçada e populosa. Existe aí todo tipo de pessoas arruinadas e pouca diversão, ou melhor, nenhuma, e muito pouca justiça e menos ainda compaixão." (Mary Shelley).



Mesmo tendo um padrão de vida minimamente decente com o dinheiro que ganhou, ela e a família ainda enfrentaram problemas financeiros que obrigaram-nos a se mudar várias vezes. Mesmo assim, Jane escreveu seis novelas, mais alguns trabalhos menores, e continuou escrevendo até que suas condições de saúde pioraram sobremaneira. Ela faleceu em Winchester, aos 41 anos, ainda jovem para a época.
 
Mas, falando sobre o livro, Razão e Sensibilidade foi o primeiro livro de Austen a ser publicado em 1811 e abriu caminho para o lançamento dois anos depois de Orgulho e Preconceito, que foi o romance mais famoso da autora. Quanto ao enredo, o livro conta a história de duas irmãs...





não essas...






nem essas...




Essas!


Elinor e Marianne são as filhas mais velhas da sra. Dashwood, uma viúva que empobreceu com a morte do marido, cuja fortuna em sua maior parte acabou indo para o filho do primeiro casamento, o que, visto pelo cenário em que a autora viveu, era uma realidade comum. 
Como é de se esperar, as garotas encarnam cada uma um dos atributos do título, sendo Elinor a irmã mais sensata e guiada pela razão, enquanto Marianne é mais passional e guiada pelo coração...zzzzzz....

"Elinor, a filha mais velha cujo conselho fora tão acertado, tinha o poder de compreensão e uma firmeza de julgamento que a haviam tornado, apesar de ter apenas dezenove anos, conselheira da mãe e a qualificavam para contrabalançar, em proveito de todas, a impulsividade da Sra. Dashwood [...] Era afetuosa e de sentimentos fortes, mas sabia como controlá-los. [...] 

As habilidades de Marianne eram, em alguns aspectos, quase iguais às de Elinor. Era sensível e inteligente, mas descontrolada: suas tristezas e suas alegrias eram intensas e sem a menor moderação; generosa, amável e atenciosa, ela era tudo, menos prudente. A semelhança entre Marianne e a mãe era impressionante."




Elas também têm uma irmã mais nova, Margareth, mas ela não é muito importante para a história.


E engana-se quem pensar que é apenas de relacionamentos que as mulheres de Jane Austen se ocupam: finanças, vida em sociedade, crítica dos costumes, comprometimento com a própria identidade, está tudo ali, permeado pela fina ironia da autora, como ao descrever o meio-irmão delas e sua esposa: 

"Ele não era uma pessoa ruim, a não ser que se considere ruim um homem de coração um tanto duro, de natureza um tanto egoísta. [...] Caso houvesse se casado com uma mulher agradável, com certeza teria se tornado ainda mais respeitável do que era --- poderia até mesmo ter se transformado também em um homem agradável, já que se casara muito jovem e muito apaixonado pela esposa. No entanto, a Sra. John Dashwood era uma acentuada caricatura do marido, com uma mentalidade ainda mais mesquinha e egoísta."

Ou quando o meio-irmão e sua esposa discutem a respeito da quantia que pretendiam repartir da herança do pai com as meias-irmãs e sua madrasta: 

"A sra. John Dashwood não aprovou de modo algum, o que o marido pretendia fazer pelas irmãs. Tirar três mil libras da herança do seu pequeno e querido filho seria empobrecê-lo da maneira mais cruel e terrível. Implorou que ele pensasse bem no que iria fazer. Como poderia roubar tão alta soma de seu filho, seu único filho? [...] Era de conhecimento geral que nem sequer deveria haver afeição entre os filhos de um homem nascidos em diferentes casamentos; então, por que ele teria de se arruinar e arruinar o pobrezinho do Harry jogando fora todo aquele dinheiro por causa de três meias-irmãs?"

É, eles são detestáveis. Que ardam no inferno e engasguem com seus chás, janotas egoístas!




Desse modo, a mãe e suas três filhas acabam por se mudar para um chalé em Barton Park, no interior, ficando restringidas a uma vida menos luxuosa, mas sem se deixarem incomodar tanto por isso. Elinor, cujos sentimentos convergiam para Edward Ferrars, fica triste com a mudança, mas o convida para ir visitá-las. Por ele ser irmão da cunhada megera delas e depender da aprovação da mãe para receber sua herança, o relacionamento deles se encontra num impasse, mas ele continua a visitá-las durante um tempo. Quanto ao pretendente da irmã, Marianne o gonga sem piedade: 

"Edward é muito amável e eu penso nele com ternura. No entanto... ele não é o tipo do jovem... há algo que lhe falta... Sua aparência não é impressionante; ele não tem aquele encanto que eu esperava no homem destinado a ligar-se seriamente a minha irmã. Falta em seus olhos todo aquele espírito, aquele fogo que ao mesmo tempo revela virtude e inteligência. [...] Eu não poderia ser feliz com um homem cujo gosto não coincidisse com o meu em todos os pontos; ele precisará compartilhar os meus sentimentos; os mesmos livros e as mesmas músicas deverão encantar a nós dois." 

Elinor, apesar de admirar Edward, se contenta em vê-lo sem forçar um romance, já que duvida da aprovação da família interesseira dele, e Edward por sua vez não tem independência nem estabilidade para agir por conta própria. Assim, resta às duas aproveitarem as festas organizadas pelos novos vizinhos de Barton Park, dentre eles, a Sra. Jenninngs, cuja descrição lembra muito os shippadores de novela:

"A Sra. Jennings era uma viúva com grandes posses. Possuía apenas duas filhas e vivera para ver ambas respeitavelmente casadas; agora, nada mais tinha a fazer a não ser casar todo o resto do mundo."





Numa dessas ocasiões, Marianne é convidada a tocar no piano, e chama a atenção do coronel Brandon, que na adaptação da novela se tornou o coronel Brandão, vivido por Malvino Salvador, o que eu achei bem condizente com a descrição dele:

"Era silencioso e sério, porém não tinha aparência desagradável apesar de, na opinião de Marianne e de Margaret, ser um completo velho solteirão, uma vez que já havia passado para o "lado errado", com seus trinta e cinco anos. Seu rosto não era bonito, mas sua natureza era claramente sensível e seus modos, muito cavalheirescos. [...] O prazer que ele demonstrava ao ouvir música, ainda que não fosse aquele êxtase encantado que pertencia apenas a ela, tornava-se precioso em contraste com a  horrível insensibilidade dos outros [...]"





Pobre coronel Brandão...

Inevitavelmente, o coronel se apaixona por Marianne, que, pela grande diferença de idade, não corresponde, na verdade, nem sonha com isso:

"―Não o escutou se queixando de reumatismo? Não é esta a doença mais comum do fim da vida?
[...] Ele pode viver vinte anos mais. Porém, trinta e cinco não é idade para se casar."

...



 representado acima, um velho reumático e gagá

...





Bruno Gagliasso, outro com um pé no asilo, infelizmente
 
....

Vocês ouviram, seus velhos! Vão embora daqui! Vocês não servem pra casá!







Não, você fica; ela disse homens, não apresentadoras de tv amadas por todo o país.

...


Enfim, tudo permanece relativamente calmo até o dia em que, ao darem um passeio pela paisagem montanhosa da região, Marianne tropeça, machucando o tornozelo. Eis que, surge então um cavalheiro de passagem por ali e sem demora ele a toma nos braços, carregando-a até o chalé delas.






Lá chegando, ele é recebido com muitos agradecimentos pela mãe delas, e apesar de não ter praticamente nenhum conhecido a respeito dele, Marianne sente uma atração imediata por ele, despertada após o comentário de um conhecido delas:

"―Para mim, ele é o melhor companheiro que já existiu ― repetiu sir John. ―Lembro me de que no Natal passado, em ocasião de um pequeno baile no parque, ele dançou das oito horas da noite até as quatro da manhã, sem sentar-se nem uma vez sequer."




Totalmente encantada por essa descrição de alguém com o rabo cheio de redbull, Marianne passa a dirigir todas as suas atenções ao tal cavalheiro, que se apresenta como Willoughby e passa a visitá-las com certa frequência, correspondendo às atenções da dama. Conforme as semanas passam, a coisa degringola para o puro obsession:

"Logo descobriram que o gosto pela dança e pela música era mútuo, o que fez com que nascesse uma conformidade geral de julgamento em tudo que se relacionasse a essas diversões. Encorajada por isso a examinar mais profundamente as opiniões do Sr. Willoughby, Marianne perguntou-lhe sobre livros; [...] Os gostos eram de tal maneira parecidos que chegava a ser chocante. Os mesmos livros, os mesmos trechos eram idolatrados por ambos ---ou se aparecesse alguma diferença, se surgisse alguma objeção, estas não resistiam por muito tempo diante da força dos argumentos de Marianne e do brilho de seus olhos. Ele concordou com todas as afirmações dela, partilhou de todos os seus entusiasmos e, muito antes de a visita terminar, conversavam com a familiaridade de velhos conhecidos."

Onde foi que eu já vi isso antes?





Ah, sim...

Eu sei, eu sei que num artigo passado eu cheguei a argumentar que Crepúsculo foi (e ainda é) mais criticado por ser um livro voltado para garotas adolescentes e pré-adolescentes do que por sua "falta" de méritos literários. Mas, não dá pra negar que os olhares vazios entre Bella e Edward são a representação mais recente que temos na mídia do fenômeno chamado "paixonite aguda", que costuma acometer todos aqueles que um dia podem dizer que já estiveram apaixonados, e não estou falando necessariamente de amor.




E aí está a diferença: paixão e amor não são a mesma coisa. Na verdade, paixão já foi definida pelos medievais como uma doença da mente e da alma, uma espécie de obsessão que invade e aprisiona as pessoas; não se é feliz ao lado da pessoa, pois o sentimento é intenso demais, mas também não se consegue se distanciar da pessoa, correndo o risco da vida perder o encanto. As paixões são uma ameaça tão intensa que não à toa as pessoas tendem a se apaixonar justamente por quem não podem ter, alguém distante geograficamente ou pessoas casadas. Isso fornece uma barreira natural que impede que os amantes se "fundam" numa simbiose que só pode levar a um aniquilamento da individualidade de ambos... Pelo menos, foi o que eu ouvi falar.

Já o amor, ao contrário, surge do que sobra da paixão ou atração inicial. É algo construído no dia a dia, um afeto que acrescenta à vida dos amantes sem que se torne um tormento para todos em volta.
O amor é quando as pessoas se importam com as outras o bastante até mesmo para liberá-las.

Por conta disso, é fácil perceber que todas as paixões na verdade são uma bosta; É.

Romeu e Julieta? Bosta.

Tristão e Isolda? Bosta.

Christian Grey e Anastasia Steel? Dupla bosta.

Jack e Rose? Bom...



"Desculpa, Jack, minha perna está com cãibra. Aguente só mais um pouco..."


  
É, também foi uma bosta, principalmente pra ele. Se Rose tivesse ficado no bote com a mãe, Jack poderia ter se salvado naquela tábua e os dois estariam vivos em Nova York, mas nããooo! Ela tinha que ficar do lado dele...

O caso é que a maioria das histórias de amor que as pessoas admiram, na verdade não são histórias de amor realmente, mas de paixão; duas pessoas se amam, ou melhor, pensam que se amam, e por se amarem tanto, não podem viver uma longe da outra, e por isso alimentam uma obsessão que termina em tragédia, com a morte de um ou de ambos. Esse é o mito dos amantes desencontrados, que seria minha tradução livre do termo "star-crossed lovers", que foi usado na primeira vez exatamente naquela que seria a história de amor fadado ao insucesso mais famosa que já existiu.




 

A paixão cega Marianne de tal modo que logo ela e Willoughby começam a se corresponder, além dela aceitar passear com ele e visitar a casa em que ele estava morando, sem que conhecesse a dona, uma parente dele. Tal comportamento faz com que Elinor tema as consequências para sua irmã. 

"Podia compreender com a maior facilidade que casamento não estaria nos planos imediatos deles, pois, apesar de saber que Willoughby era independente, não havia motivo para acreditar que fosse rico. Sir John calculara o valor da sua renda em cerca de seiscentas ou setecentas libras por ano, porém o jovem cavalheiro levava um estilo de vida que essa quantia não poderia sustentar e era comum que se queixasse de sua situação. 

No entanto Elinor não conseguia compreender a estranha espécie de segredo que os dois mantinham a respeito de seu possível noivado, que parecia iminente para todos. Tratava-se de um comportamento tão contraditório ao modo como elas costumavam agir e às suas opiniões em geral, que deixava Elinor insegura e a impedia de fazer qualquer pergunta a Marianne. [...] As atitudes de Willoughby pareciam-lhe uma prova indiscutível de apego. Ele tinha para com Marianne todas as ternas atitudes que um coração amoroso dedica ao objeto de seu amor e demonstrava para com o restante da família as atenções afetuosas de filho e irmão."




E eu pensando que as semelhanças paravam aí...


Quando se dá conta, todos os seus conhecidos estão crentes de que os dois estão comprometidos, o que Elinor acaba por negar veementemente, apesar das dúvidas. Acontece que Elinor não tem coragem de perguntar sobre a existência ou não desse compromisso à irmã, temendo ofendê-la. A situação torna-se insustentável quando, na ocasião de um baile, as duas se deparam com o tal pretendente, e ele simplesmente dá uma de desentendido e finge não ter nada com Marianne. Diante disto, a moça se desespera. Continua a lhe enviar cartas que não são respondidas, até que o sujeito lhe escreve de volta, se desculpando pelo incômodo e dizendo estar comprometido com outra.
Amparada pela irmã, ela se isola em casa, deprimida e sem ânimo para comer ou se divertir.






Depois, numa conversa com o coronel Brandon, Elinor descobre coisas bem piores sobre Willoughby, como o fato dele ter seduzido e abandonado uma jovem a quem Brandon amava, deixando-a grávida e sem condições de viver na sociedade julgamentosa e hipócrita da época. Quando Brandon a encontrou, ele diz, ela era apenas a sombra do que costumava ser, de modo que apenas pode ajudá-la um pouco, pois ela logo definhou e morreu.

"Quando me censurou pela incivilidade de cancelar o passeio, suponho que o Sr. Willoughby estava longe de imaginar que fui chamado para dar apoio a alguém que ele tornou infeliz e miserável. Mas, se aquele senhor soubesse disso, o que teria feito? Teria dirigido sorrisos menos felizes e alegres a sua irmã? Não. Ele continuaria agindo do mesmo modo, coisa que não faria nenhum homem que tivesse sentimentos e consideração pelos outros. Ele havia abandonado uma moça jovem e inocente, depois de seduzi-la, deixando-a numa situação terrível, numa casa não respeitável, sem ajuda e sem que nenhum amigo soubesse onde ela se encontrava! Ele a havia deixado prometendo que voltaria; não voltou, não escreveu e não a socorreu."




Seu pedaço de bosta


Um fato engraçado é que, na versão global, Willoughby virou Uirapuru; achei adequado.

Sabendo todos esses detalhes, Elinor sente-se mais aliviada, pois percebe a cilada da qual sua irmã escapou. Ela logo conta tudo para Marianne, que tem a seguinte reação:

"Sua mente parecia ter-se acomodado aos fatos, mas mergulhara em perigosa apatia. Ela havia sido mais atingida pela demonstração de falta de caráter de Willoughby do que o fora pela perda de seu coração. O fato de ele haver seduzido e abandonado a Srta. Williams, a desgraça dessa pobre moça e a dúvida de que poderiam ser esses os desígnios dele em relação a ela própria chocara Marianne de tal maneira que a jovem não conseguia contar nem mesmo a Elinor como se sentia." 





A garota é consolada pelas irmãs e pela mãe, e sabendo agora do verdadeiro do homem tão idealizado por ela, promete não voltar a encontrá-lo. Com o passar dos meses, o espaço que Willoughby ocupava em seu coração acaba sendo preenchido por um novo afeto pelo coronel Brandon, que se vê livre para cortejá-la. Elinor, que por sua vez encontrava-se atormentada com as notícias de que Edward estava para se casar com uma prima, recebe a notícia de que ele desfez o noivado e que o irmão dele se casou com essa mesma garota, então ele está "livre" das altas expectativas de sua mãe e assim pode se casar com ela. Ao saber disso, a mais racional das Dashwoods chora de felicidade, sendo esse um dos pouquíssimos momentos em que se deixa levar pela emoção.

Como nem tudo são flores, Willoughby ainda aparece na maior cara de pau para se explicar a Elinor:

"Estou condenado para sempre na opinião dela", disse a mim mesmo. "Estou expulso para sempre de seu círculo de amizades; todos já me consideram um homem sem princípios e esta carta apenas irá fazê-los ter certeza de que sou vil e desprezível". [...] E todas as lembranças... o cacho de cabelos que eu adorava... foram tiradas de mim com a mais graciosa virulência."






Ao que Elinor responde, com toda a classe:

"O senhor está errado, Sr. Willoughby, e merece severa censura.― Ainda que tentasse se controlar, a voz de Elinor demonstrava emocionada compaixão. ― O senhor não tem o direito de falar dessa maneira da minha irmã e nem da sua esposa. O senhor fez sua escolha. Ninguém o forçou a fazê-la. A Sra. Willoughby merece sua consideração, seu respeito, enfim. Ela deve amá-lo muito ou não teria se casado com o senhor. Tratá-la com descortesia, falar dela com desprezo não é uma compensação para Marianne e acredito que também não traga alívio algum a sua consciência."







Resolvida essa questão, ele parte, ainda ressentido por Marianne se casar com Brandon, mas deixando a certeza de que ela não está perdendo nada que preste. E elas ficam livres para retomar o cotidiano:
"Marianne Dashwood havia nascido para um destino extraordinário. Havia nascido para descobrir a falsidade das próprias opiniões e para ir contra suas convicções por sua própria conduta.[...] Pois assim foi. Em vez de entregar-se ao sacrifício da mesma forma que se entregaria a uma irresistível paixão― como certa vez afirmara com sinceridade que era o que esperava―, em vez de permanecer para sempre em companhia de sua mãe, entregue apenas aos prazeres do retiro e dos estudos―como determinara mais tarde quando já podia julgar os acontecimentos com maior calma e sobriedade―, aos dezenove anos, viu-se entregue a um novo afeto, dedicada a novos deveres, estabelecida em um novo lar como esposa, mãe de família e senhora de um presbitério."
 
As irmãs Dashwood terminam casadas com homens de bão coração e todos ficam felizes! Hurra!!!




Vera Holtz feliz; todos feliz.


Análise crítica:
Eu acredito que Jane Austen não esteja condenando totalmente a sinceridade e franqueza de Marianne tampouco perdoando Willoughby, como expressado pelas palavras da Sra. Jennings:

"Bem, não é que eu queira falar, mas quando um homem jovem, seja ele quem for, demonstra amor a uma linda moça e lhe faz promessas de casamento, não tem o direito de fugir à palavra dada apenas porque nasceu pobre e uma moça rica está disposta a casar com ele. Em vez disso, por que esse cavalheiro não vende seus cavalos, não deixa sua casa, não dispensa os criados e não procura endireitar sua vida? [...] Mas não, isso não acontece nesses dias. Os moços de hoje não desistem dos prazeres por nada deste mundo."

De fato, dona, de fato.




E essas caretas da Elizabeta me deixam meio assustada às vezes


Eu realmente acredito que, por mais que os textos de Austen pareçam dar uma "lição de moral" no leitor, reforçando as velhas convicções presentes na sociedade da época (a mulher deve se preservar, do contrário será relegada por sua própria culpa) eu não concordo totalmente com esta visão.

O final do livro é moralista sim, mas, cabe perguntar qual a moral realmente dele: para uma época em que uma mulher não era vista como um ser produtivo e capaz de refletir sobre sua própria realidade, ter personagens como Elinor e Marianne, que tomam suas próprias decisões e aprendem com elas, é algo muito avançado.




E o modo como a autora recrimina as atitudes de alguém como Willoughby, tudo isso me leva a crer que a real lição do livro não é "preserve sua castidade o máximo que você puder", mas sim "Não confie em primeiras impressões". Por que, muitas vezes, elas podem ser bastante enganadoras. Uma série de afinidades nem sempre quer dizer que um relacionamento será bom, assim como a aparente falta delas não é o bastante para condenar a possibilidade de um. Além disso, da mesma forma que Marianne sofre por seu excesso de sinceridade, Elinor padece por diversas vezes da indecisão e do retraimento de tal forma que seu amado quase acaba por casar-se com outra sem saber dos seus sentimentos.

Saber dosar a razão e a emoção de modo que não se sofra desnecessariamente, é o grande desafio que só a sabedoria e a experiência ajudam a manejar.

Por isso, não se sinta mal se você ainda não tem um amor pra chamar de seu. Encontrar alguém não é algo a ser exaltado como um troféu, ou a solução para todos os problemas. E aqui vale a mesma regra que se aplica à maioria das coisas na vida: se algo não te faz bem, é porque provavelmente não serve pra você.





 Então, é isso! Feliz dia dos Namorados!


"E entre os méritos de Elinor e Marianne é preciso que se mencione, como o mais considerável, que apesar de serem irmãs e viverem quase coladas uma à outra, jamais houve um desentendimento entre elas, nem qualquer frieza entre seus maridos."