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quinta-feira, 29 de setembro de 2016

Frankenstein, ou o Prometeu moderno







Oi, como estão? Sentiram a minha falta? 
             ...
            Não? Azar o de vocês, pois eu estou aqui de novo para a nossa primeira resenha, e ELA ESTÁ VIVAAAAAAAAA!!!
            Ou quase, visto que essa frase icônica nunca existiu no livro. Na verdade, eu me surpreendi com muitas diferenças entre o livro e o mito que se formou sobre ele, mas vamos por partes... (entenderam o trocadilho, hein? HEIN?!)
 
Brincadeira, Frank. Não me olhe assim, por favor...

            “Frankenstein, ou o Prometeu moderno” é o título do livro escrito por Mary Shelley em 1818, uma época em que as mulheres sequer podiam votar. Ela era filha de uma sufragista conhecida, que morreu pouco depois de lhe dar a luz, deixando-a para ser criada por seu pai e a irmã mais velha. Depois, ela se casou com Percy Shelley, de quem ganhou o sobrenome e algum incentivo a mais para escrever, visto que ele também era um poeta e os dois gostavam de promover os trabalhos um do outro. A própria Shelley era filha de dois escritores, então seu marido frequentemente a instigava a escrever, a fim de saber se ela partilhava ou não os dons literários dos pais. Entretanto segundo ela própria, nessa época ainda não escrevia nada. 
            Então, no que deve ter sido a NaNoWriMo mais proveitosa do mundo, Mary, Percy e mais dois escritores, Lord Byron e John Polidori, se juntaram e após uma noite lendo histórias antigas de fantasmas, Lord Byron propôs que que cada um tentasse criar a sua própria história de terror. O resultado foram os textos que depois dariam origem não só a Frankenstein, como também a Drácula, influenciando a criação dos elementos que marcariam todo o gênero de terror e ficção científica.
...
            E você saindo com seus amigos pra beber, hein? Que vergonha!
  
“Beware; for I am fearless, and therefore powerful.”

           Outra curiosidade é que apesar dos textos dos colegas terem sido iniciados bem mais rápido e sem muitas dificuldades, apenas a história escrita por Mary chegou a se completar como um livro. Sobre isso, ela diz na introdução:

"Já pensou numa história?, perguntavam-me, a cada manhã, e a cada manhã eu era obrigada a responder com uma humilhante negativa.”

            Então ela explica que durante o tempo em que lidava com esse bloqueio criativo, ouvia as conversas do marido e Lorde Byron a respeito do princípio da vida, o galvanismo e experiências de reanimação de corpos com eletricidade. Tudo isso a fez pensar se não seria possível reanimar um cadáver:

“Talvez se pudessem manufaturar as partes componentes da criatura, juntá-las e lhes prover calor vital.O galvanismo já nos mostrara indícios disso.”

            Eu sei que você, nerd das ciências está louquinho pra comentar como essa mulher é burra em pensar numa coisa dessas, mas antes que faça isso, quero informar-lhe de que na época, a Europa estava cheia de médicos e cientistas que acreditavam a mesma coisa, ou pelos menos tentavam descobrir até onde era possível chegar quando se estimulava um defunto com eletricidade. Pensava-se mesmo que se poderia chegar longe a ponto de ressuscitar uma pessoa, e usavam-se corpos de criminosos e assassinos, visto que eram os únicos que ninguém reclamaria.


Sim, porque ninguém melhor para ressuscitar que um criminoso.

         Mas falando sério, Giovanni Aldini, que era sobrinho do cara que descobriu que choques elétricos fazem pernas de rãs se mexerem, praticamente fez carreira com um show de horror itinerante, onde ele “ressuscitava” cadáveres de animais e até mesmo de gente usando baterias. Sim, o cara viajava com o CADÁVER de um homem enforcado por ter matado a própria esposa e filhos. Praticamente um circo dos horrores de Satã:



          E as pessoas iam aos montes pra ver isso porque a Europa do século XIX já não tinha sangue e mortes o suficiente. Conta-se que certa vez, ele enfiou um dos fios da bateria pelo ânus do defunto, que começou a chutar e socar, o que é uma reação bem compreensível. De fato, o cadáver se movia tanto que a plateia começou a gritar que enforcassem o pobre do morto de novo. 
           Parece que a realidade às vezes supera a ficção, puta que pariu.

           Bom, o fato é que após tantas conversas agradáveis sobre o assunto, Mary se deitou e em seu sonho, a ideia apareceu:

“Eu vi― com os olhos fechados, mas com aguçada visão interna― o pálido estudante de artes profanas ajoelhado diante da coisa que criara. Vi a forma monstruosa de um homem deitado ali, esticado, e então, ao ser submetido à ação de uma máquina poderosa, demonstrar sinais de vida e agitar-se num movimento desajeitado, como se estivesse meio vivo e meio morto. A imagem era assustadora, como haveria de ser, ao extremo, o efeito de qualquer esforço humano no sentido de imitar o estupendo mecanismo do Criador do mundo.”.

           Uau.
         E se você ainda não ficou assustado só com essa descrição, dê uma olhada nas pernas de rã desse vídeo. Meu Deus, acho que não dormirei bem esta noite:


O homem que faz essa brincadeira utiliza pernas de rã bem frescas e limpas, com os músculos e células intactos, o que inclui ATP, que se você não dormiu nas aulas de biologia, vai saber que é uma sigla para a energia armazenada nos músculos. Essa energia é responsável pela execução dos movimentos, e só precisa de um estimulozinho dos nervos. Quando ele joga sal nelas, funciona do mesmo jeito que a eletricidade faria, porque o sal contém íons de sódio. Os íons de sódio e potássio são usados em células para criar diferenças de voltagem, estimulando os nervos que fazem os músculos se contraírem, causando a impressão de que estão vivos. 
Credo...

Por isso que ciência é tão legal! Deviam ensinar essas coisas nas salas de aula.

Enfim, Frankenstein, ou o Prometeu moderno é um Romance Gótico...

Não, não esse tipo de romance...

          Romance Gótico é um tipo de literatura gótica criado em meados do século XVIII, caracterizada por cenários medievais ou decaídos, personagens melodramáticos, além de temas e símbolos recorrentes, como maldições, segredos do passado, profecias, etc... Já o termo Romance, escrito com letra maiúscula significa um gênero narrativo, caracterizado por um paralelo de várias ações dos personagens,e sua origem vem do período do Romantismo, onde predominavam as histórias de cavalheiros e donzelas. Minha intenção não é dar uma aula aqui, por que francamente, eu não sei nada que a Wikipedia não saiba, mas acho que é importante explicar antes que alguém assuma que há alguma cena romântica entre Victor Frankenstein e seu monstro.

"Vamos comprar uma casa no campo, o que acha, Frank?"
"Gwwwrrrrrrrr..."

À propósito, Apesar de toda a fama, o personagem título do livro não é o monstro, mas o cientista que o cria, Victor Frankenstein. O próprio monstro, que é tão famoso na cultura popular, não tem sequer um nome no livro. Em diversas vezes ele é apenas chamado de criatura, monstro, demônio, ou mesmo Adão e anjo caído. A descrição dele também é diferente dos filmes, em que ele é de pele esverdeada ou azulada, e burro. No livro ele é descrito como sendo amarelado e enorme, como o próprio cientista explica:


“Seus membros eram proporcionais, e eu escolhera belos traços para seu rosto. Belos! Meu Deus! Sua pele amarelada mal cobria a trama de músculos e artérias; seus cabelos, de um negro lustroso, eram abundantes; seus dentes, de uma brancura perolada. Esses caprichos só faziam criar um contraste ainda mais horrendo com seus olhos úmidos― que pareciam ter a mesma cor das órbitas, de um branco sombrio, em que se encaixavam ―, com sua compleição murcha e com seus lábios retilíneos e negros.”.



Já por esse trecho, podemos notar como a obra é permeada por contrastes e ambiguidades, com o cientista contemplando o horror e também a beleza de sua criação, sentimento que todo escritor de terror conhece bem, imagino. Victor Frankenstein é um cientista obcecado por decifrar os segredos da vida e da morte, e leva esse desejo às últimas consequências, criando um ser que segundo ele, seria um animal tão complexo e maravilhoso quanto o homem. Ele diz:


“Uma nova espécie haveria de me abençoar como seu criador; muitos seres bondosos e felizes deveriam a mim sua existência. Nenhum pai poderia reivindicar a gratidão de um filho tanto quanto eu com relação a esses seres.”.


É, esse é um motivo bem egoísta para se criar vida. Por mais que ele diga no livro que também tem ideais altruístas, como impedir o avanço natural da idade e das doenças na humanidade, podemos ver que o Victor está mais interessado em “brincar de Deus” que em ajudar pessoas.
E como sabemos, todo mundo se fode sempre que alguém tenta fazer isso, certo? CERTO?

...

...




...

...

Ok, vamos para o enredo.

Ah, não sei se preciso avisar, sendo esta uma história lançada no século XIX, mas teremos Spoilers. BUUUH!!! SPOILERS!!!
De nada.
 
O livro começa com uma série de cartas escritas não pelo protagonista, como se poderia supor, mas por um explorador do Ártico, um caboclo de nome Robert Walton que não faz muita diferença pra história além de ser um orelha para toda a narrativa de Victor, quando este o encontra à bordo do navio encalhado numa geleira. Acontece que Victor estava num trenó, quase exaurido em suas forças, perseguindo a criatura, que também estaria num trenó, escondido em algum lugar. Ao invés de jogá-lo pra fora do navio, Walton concorda em ouvir a insana história do homem, que, ao reconhecer nele a mesma curiosidade e ousadia em desbravar os segredos da natureza em busca do seu domínio, lhe adverte:


“―Infeliz! Então compartilha da minha loucura? Também bebeu esse mesmo filtro intoxicante? Ouça-me; deixe-me contar a minha história, e depois há de atirar essa taça para longe de seus lábios!”.


 Para logo depois, contar a história tediosa da vida dele, desde o nascimento até seu ingresso na faculdade de Ciências químicas, ou algo assim. Sério, eu bocejei muito lendo nessa parte. Resumindo, Victor Frankenstein é o filho mimadinho de um casal rico de Genebra, tendo dois irmãos mais novos, um amigo, e uma “prima”, uma menina que sua mãe adota enquanto ele ainda é pequeno, sendo criados como se fossem irmãos. Mesmo assim, isso não impede Victor de sentir-se atraído por ela, provando que além de chato ele também era meio pervertido, mas estou divagando.

          Sendo apenas um jovenzinho nerd, sua mãe adoece e morre, motivando que em sua tristeza, ele começasse a imaginar se não haveria um meio de impedir tais acontecimentos, ao mesmo tempo em que busca uma maneira de se destacar. Ele diz:
 
“Tanto já foi feito, mas mais, muito mais eu alcançarei; seguindo os passos que já foram dados, serei pioneiro num outro caminho, explorarei poderes desconhecidos e revelarei ao mundo os mais profundos mistérios da criação.”.

        A partir daí a coisa degringola para um caminho totalmente gore, quando Victor começa a visitar cemitérios e matadouros de animais, procurando “material de pesquisa.”. 
          
          Sério, eu já falei como eu adoro essas descrições?

“Eu era levado a examinar então as causas e o progresso dessa decomposição, e forçado a passar dias e noites em jazigos e ossários. Minha atenção se fixava sobre o objeto que é, entre todos os outros, o mais insuportável à delicadeza dos sentimentos humanos. Vi como o belo corpo humano se degradava e se consumia; observei a corrupção da morte vencer a face exuberante da vida; vi como os vermes herdavam as maravilhas dos olhos e do cérebro. Detive-me na análise e no exame de todos os pormenores da causalidade, (...) na passagem da vida à morte, e da morte à vida, até que, no meio dessa escuridão, subitamente uma luz jorrou sobre mim―uma luz tão brilhante e maravilhosa, e ainda assim tão simples, que, embora tenha ficado tonto com a imensidade das perspectivas que me oferecia, surpreendi-me com o fato de que, entre tantos homens geniais que haviam conduzido suas pesquisas rumo à mesma ciência, somente eu teria o privilégio de descobrir um segredo tão maravilhoso.”


"Olhe! Toda a atenção e admiração que eu vou ganhar às suas custas! Você não me ama, Frank?"


          Como dá pra perceber, o protagonista não é exatamente um exemplo de humildade. De alguma forma, porém, ele consegue ser bem-sucedido em seu experimento, e digo isso não para resumir, mas por que ele realmente não diz como foi possível dar vida a um monte de partes de cadavéricas, temendo que seu ouvinte repita seu malfadado erro. O importante é que ele consegue, e vibra, feliz por ter alcançado seu objetivo e criado um ser vivo não só semelhante ao homem, como também consciente e pensante. Ele contempla sua criação, admirado...
...Para logo depois mudar de ideia e fugir, deixando o monstro sozinho em seu apartamento, largado à própria sorte.
            ...
Que cuzão.

Pois é, o protagonista do livro não é muito melhor que os caras que largam a namorada assim que descobrem que ela está grávida. Em sua defesa, porém, lanço o trecho onde Victor explica seu cagaço ao ver sua criação respirando:


“Ah! Nenhum mortal suportaria o horror daquele semblante. Uma múmia dotada de vida não seria tão medonha quanto aquele infeliz. Vira-o ainda inacabado; era feio, então, mas quando aqueles músculos e juntas tornaram-se capazes de se mover, ele se tornou algo que nem mesmo Dante poderia ter concebido.” 


Algo concebido por Dante, para comparação. De nada.


Após correr do laboratório, Victor se refugia no pátio externo da casa e passa a noite andando debaixo da chuva feito um lunático. Depois, ele finalmente retoma a coragem e volta ao apartamento, para descobrir que o monstro não está mais lá. Então ele sucumbe a uma febre e à fatiga e cai, doente, para ser socorrido por seu amigo, Clerval. Apesar de sua doença, ele logo se recupera, mas ao invés de agir como qualquer pessoa sensata e decente e tentar procurar sua criação para se assegurar de que ela não faria mal a ninguém, ele apenas retorna à sua vida cotidiana, como se nada tivesse acontecido, torcendo para que o monstro tenha morrido de gripe, talvez. 

Claro, não é o que acontece; ao invés disso, há um salto de cerca de dois anos, e ele recebe uma carta de seu pai, avisando que seu irmãozinho, William, uma criança, foi estrangulado até a morte e que o principal suspeito do crime é a babá, uma jovem pobre e infinitamente grata à sua família por terem a acolhido. A única prova condenando-a seria a jóia do menino, encontrada com ela. Apesar de tudo provando o contrário, Victor sabe na hora quem é o verdadeiro culpado.

Tropeço, seu desprezível!!!


          Mesmo assim, o cientista não vê modo de inocentar a babá, visto que apelar a um júri dizendo que um monstro de três metros de altura que ninguém viu foi o culpado logo após ter tido uma febre forte é o jeito certo de ser considerado insano. Dessa forma, o julgamento é levado adiante e o resultado é previsível:


Assombrado e torturado pelo peso dessas mortes, Victor é consolado por sua prima e decide que o melhor a ser feito nessas circunstâncias é cavalgar sozinho por montanhas isoladas e cobertas de neve; e ele é o cara inteligente da história.

           Parado à frente de um abismo, ele abre os braços e declama algo que deixa mais do que claro o nível do seu desespero e suas intenções. Quando parece que ele está prestes a se juntar de bom grado aos ganhadores do Darwin Awards, eis que surge o Monstro, que após assistir envergonhado seu criador chamá-lo de demônio e provavelmente se borrar nas calças, pronuncia sua primeira fala:


“―Eu esperava uma recepção como essa.”

"In fact, I expect you to die, mr. Bond."


           Acontece que diferente das adaptações, o Monstro do livro é muito bem articulado e culto. Além disso, ele não é nem um pouco inepto fisicamente, sendo ágil, rápido e resistente. Ele parece mesmo um vilão do James Bond, com olhos em toda parte, sempre caçando o protagonista e declamando frases de efeito. Não me espantaria se o Ian Fleming tivesse pego emprestado alguma inspiração de Lady Shelley para seus vilões. 

          Enfim, uma vez reunidos criador e criatura, tem-se uma discussão em que o Monstro, amargurado por todo o abandono e solidão, confronta-o:
 

"Lembre-se de que sou sua criatura; devia ser seu Adão, mas sou, antes, o anjo caído, que você priva de felicidade, sem que eu tenha cometido qualquer ato condenável. Em todos os lugares, vejo contentamento, do qual somente eu me encontro excluído. Fui benevolente e bom; o sofrimento fez de mim um ser diabólico. Faça-me feliz, e hei de ser outra vez virtuoso."


          O monstro procede em explicar que, uma vez abandonado e sozinho, andou pelo mundo, por regiões mais distantes, sendo-se maltratado e perseguido pelos semelhantes de Victor, por que enfim, vocês já pegaram a descrição do cara e vamos apenas dizer que ele nunca receberia um super like no Tinder. Ainda assim, a criatura aprendeu a se virar sozinha na floresta observando de longe uma família de camponeses, tendo conseguido aprender a falar e até mesmo a ler, com boa fluência, títulos como Paraíso Perdido, Vidas Paralelas, de Plutarco, e Os sofrimentos do Jovem Werther...

Não é justo! Nem mesmo eu consegui terminar esse livro...


          Com a graça de um poeta, ele narra o descobrimento de sua aparência e a construção falha de sua autoimagem:


“Eu admirava as formas perfeitas dos moradores daquela casa― sua graça, beleza e compleição delicada; quão aterrorizado fiquei, porém, quando vi a mim mesmo na água transparente de um charco! A princípio, recuei, incapaz de acreditar que fosse de fato eu quem refletia ali; quando me dei conta de que era eu, na verdade, este monstro que sou, fui assolado pelas mais amargas sensações de abatimento e humilhação. Ai de mim! Eu não compreendia na íntegra os efeitos fatais dessa miserável deformidade.”.


  Ele segue contando como passou a ajudar os moradores da casa, anonimamente, noite após noite, na esperança de um dia se apresentar a eles, contando com o fato de que o senhorzinho que mora lá ser cego. Assim, o monstro esperava poder se aproximar e conversar com ele sem a desvantagem da aparência física. Assim, quando os filhos do velho retornassem, ele os convenceria a aceita-lo também. O plano parece simples, mas dá bastante errado quando o filho do velho chega de repente e vendo-o agarrado ao pai debilitado, pega em armas e o expulsa violentamente dali, enquanto as mulheres da casa desmaiam e se tornam incapacitadas pelo choque e o horror.
Apavorado e mais que entristecido, o pobre monstro de Frankenstein foge para a floresta onde se esconde e entre lágrimas, amaldiçoa seu criador:  
 

“―Maldito, maldito criador! Por que razão continuei vivo? Por que, naquele instante, não extingui a centelha de existência que você tão arbitrariamente concedera?”.

          
           Logo a seguir, a criatura vaga até encontrar uma garotinha se afogando e a salva, trazendo-a até a margem. Ele tenta acordar a menina desmaiada, sem sucesso, até que o pai dela aparece e atira em seu ombro para espantá-lo. O coitado perambula por semanas até sua ferida sara e repleto de raiva e ansiando por vingança, ele decide suas próximas ações:


“Entre as miríades de homens existentes, não havia um único disposto a se apiedar de mim ou a me prestar ajuda. Deveria eu, então , ser gentil com meus inimigos? Não. Naquele momento declarei guerra perpétua à espécie e, acima de tudo àquele que me dera vida e me mandara embora rumo àquela insuportável desgraça.”


          Assim, ele conta que partiu numa jornada em direção à casa de seu criador, a fim de acertar as contas, e por fim o encontra, para sua sorte e azar de Victor, que simplesmente não tolera a visão da criatura que colocou no mundo, além de agora com sua confissão, ter certeza de que o monstro assassinou seu irmãozinho. O monstro, por sua vez, procura um modo de ganhar sua piedade, pedindo por uma companheira para ele, assegurando que o deixará em paz caso o cientista concorde em criá-la. Penalizado e desejando apenas se ver livre da criatura, Victor pensa em concordar, mas seu pensamento racional e seu machismo o fazem pensar que uma criatura semelhante ao monstro, sendo fêmea, poderia ser mil vezes mais maldosa que ele, e isso o faz recusar a proposta. 

     O monstro então procede em afirmar que sendo seu criador, Victor tem responsabilidades para com ele, e que fará sua vida ainda mais miserável caso ele se recuse a lhe oferecer tal felicidade de ter um semelhante para amá-lo. Sendo assim, Victor não tem alternativa a não ser começar o trabalho, mas seu terror até compreensível de que esse novo monstro se voltaria contra a humanidade e se juntaria ao original em sua destruição o fazem reconsiderar a chantagem e com um machado, ele parte em pedacinhos aquela que seria a noiva do Frankenstein, bem na frente do monstro. 

            Frank, é claro, não fica contente com isto.
 
Victor se vingaria depois em "Drácula vs Frankenstein".


          Incapaz de matar seu próprio criador, o monstro foge e proclama: "Se eu não posso inspirar amor, então inspirarei o medo!"

          A criatura então retoma sua vingança, matando o melhor amigo do cientista. Ao saber do noivado de Victor, o monstro promete: "Estarei com você em sua noite de núpcias!"

           Victor entende errado as palavras do monstro e, crendo que este o quer morto e virá atrás dele, fica parado na frente do quarto com uma arma, esperando por ele, enquanto a criatura se esgueira pela janela pra dentro do quarto e estrangula sua noiva. 
            Nossa, como ele é burro... 



          Sem noiva, amigos, nem paz, Victor se põe a caçar o monstro, partindo para regiões cada vez mais isoladas, até finalmente parar no Ártico, onde encontra o navio de Walton e começa sua narrativa, que é escrita em cartas de Walton à sua irmã, narrando as desventuras do cientista, que narra as desventuras do monstro, que por sua vez também narra suas próprias desventuras ao cientista, e...



          Enfim, é uma história dentro de uma história, até o ponto em que Victor, sofrendo de uma pneumonia aguda, morre, deixando como missão para Walton se assegurar de que o monstro não viva. Eis que o monstro aparece, e para a surpresa do explorador, ele não está atrás de vingança. Ele apenas contempla o corpo de seu criador com pesar e afirma:

"Diante de tanta incompreensão e injustiça, tangido pela revolta, assassinei criaturas inocentes, que nem mesmo sabiam da minha existência. Lancei meu criador, digno, em todos os sentidos, do amor e admiração dos homens aos meandros da mais completa desgraça. Aqui está ele, na brancura e na frieza da morte. Por mais execrado que seja, nada iguala o desprezo que sinto por mim mesmo."

          E se vira em direção ao explorador atônito, dizendo:

" “Adeus! Deixo-o, e com você o último ser da espécie humana a quem estes olhos jamais contemplarão. Adeus, Frankenstein! Tu buscaste minha extinção para que eu não pudesse repetir minhas atrocidades. Agora que estás morto, cumprirei o teu desígnio. Acenderei minha pira funerária em triunfo e exultarei na agonia das chamas. Minhas cinzas serão varridas pelos ventos e lançadas ao mar. Meu espírito partirá para a paz ou o degredo da eternidade. Adeus!”
           Assim falando, saltou pela janela do camarote para a jangada que estava perto do navio e logo depois foi impelido pelas ondas, perdendo-se na escuridão e na distância."
          
           E esse é o fim de Frankenstein, do cientista e do monstro. Acho que a chave para entender a história e os personagens aqui é ambiguidade. Não há vilões e mocinhos no sentido geral da palavra: Victor é o héroi trágico, que se sacrifica pela humanidade tentando reparar seus erros, mas ele peca por orgulho logo no começo, ao desafiar a natureza tentando criar vida por seus próprios meios e não responsabilizando por seus atos. Como Prometeu na lenda grega, que rouba o fogo dos Deuses, Victor perverte a criação da vida e acaba severamente castigado por isso.



            Já Frankenstein, o monstro, é o típico caso do ser que precisava de amor, mas na falta deste, se tornou uma criatura cruel e sedenta por vingança. Ambos foram cegos por suas obsessões, obsessão em descobrir os segredos profundos da natureza no caso do cientista e obsessão em ser aceito, no caso do monstro. Assim, Frankenstein é a história protótipo dos Jurassic Parks e outros filmes de ficção científica e horror em que a queda do ser-humano se dá por sua arrogância e falta de moralidade ao lidar com os progressos científicos em suas mãos. E esse também é um dos motivos pra essa história se manter atual independente da época, promovendo o mesmo questionamento: "Temos o direito de interferir com a vida? Até que ponto isso é moralmente aceitável?"
Diante de tudo, eu ainda acredito que Frankenstein não teria sido mal como foi, tivesse tido aceitação e amor. Pra mim, isso fica claro quando ele salva a garotinha, apesar de sua decepção ainda recente com a família de camponeses. Frank não era mal, ele só precisava ser amado. E quem de nós pode dizer que não precisa de amor?

"Eu não preciso de amor, eu tenho dignidade!" disse o Gato Sarcástico.


          Sendo assim, eu reconheço a importância monstruosa (sem trocadilho) do texto de Mary Shelley, mas fico com o Frankenstein do Monster Squad (Deu a louca nos monstros, numa tradução bizarra para o português). É um ótimo filme, e dá ao pobre do Frank algo que, mesmo com décadas e décadas de adaptações, ele recebeu poucas vezes em tela: Aceitação incondicional.

"Nenhum homem escolhe o mal pelo mal; ele apenas confunde isso com a felicidade, o bem que ele busca." Mary Shelley.


MINHAS IMPRESSÕES:              
            

             A edição que eu li foi a da Editora Nova Fronteira, e parece que já é a segunda edição que eles fazem desse livro, que é parte do Box Mestres do Terror, que inclui Drácula e o Médico e o Monstro. Eu apreciei muito o design da capa e o fato de ser uma edição de capa dura deixa o preço (R$ 22,90) bastante razoável. Esse preço é o que está no site das Americanas, mas é provável que seja encontrado mais barato nas lojas físicas e outros lugares. Outro aspecto positivo é a introdução da autora, que está incluída logo no começo do livro e oferece um pequeno insight por dentro do processo de criação da história, o que pra mim, foi muito interessante.            

          A leitura em si foi muito agradável, apesar de admitir que tive certa vontade de pular páginas, principalmente nas partes entre uma carta e outra, onde a narração era interrompida para logo depois ser retomada com um cabeçalho e datas, argh, isso não é pra mim. Sério, eu só queria que a irmã do Walton morresse e eu pudesse seguir lendo o que iria acontecer com Frankenstein e Victor. Outra dificuldade é que, como vocês devem ter percebido, por mais belas e aterrorizantes que sejam as frases construídas por Mary Shelley, a prosa é muuuuito floreada para o meu gosto estragado pela televisão. Por várias vezes eu me peguei pulando parágrafos inteiros sem que isso mudasse essencialmente o meu entendimento ou o ritmo da história. Eu entendo que este era o estilo de prosa comum da época, mas definitivamente vai testar a paciência de quem prefere narrativas mais rápidas
          De qualquer forma, o livro não é longo, são apenas 234 páginas que valem a pena, principalmente e você se considera um fã de terror e ficção científica. Pra você, este aqui é um "must read", pelo menos para ter um vislumbre do pioneirismo que este livro foi e apreciar as atmosferas de terror que serviram de inspiração para tantas outras obras que se seguiram, décadas depois. Mas falando sério, espero não ter mais romances epistolares na lista de livros que eu pretendo ler...

"Droga!"


          E semana que vem, para nossa próxima resenha:

"―Como você pode falar se você não tem um cérebro?
―Eu não sei, mas algumas pessoas sem cérebro falam um monte, não é?"
     

          Isso é tudo por hoje, pessoal!